Fraldem-se! por Luciano Moreira

– Matilde, minha velha, você sabe por anda o Antônio?

– Hermógenes, meu velho, Antônio deve estar na cidade. Saiu dizendo que ia visitar umas pessoas que ele chama de futuros eleitores.

– Fazendo proselitismo político…

– Fazendo o quê?

– Mentindo, dizendo que vai dar o que não tem, prometendo o que não vai poder cumprir, enganando os outros e, o que é pior, sendo enganado por gente que nada tem a oferecer, nem o próprio voto que, certamente, já tem dono… É isso o que teu filho está fazendo.

– Só meu não, nosso…

– Isso… nosso, sim!

– Mas, meu velho, não foi essa a educação que a gente deu pra ele.

– Tildinha, amor meu, todo mundo que se mete em política, que veste a camisa de um partido e que se candidata a algum cargo público já se acha eleito e, como se já fosse dono do cargo de vereador, prefeito, o escambau, se acha no direito de dizer que vai fazer isso, vai fazer aquilo, sem ter a menor ideia dos esquemas, dos conluios, dos conchavos que vai ter de alinhavar com gente da pior espécie. Aí, pensa que a cambada de interesseiros, todos donos de um voto – e olhe lá! –, só está se comprometendo com ele… Aí o idiota – coitado! – se empanturra de conversa mole, de papo furado, de bajulices nojentas, certo de que está assegurando o voto de todos eles. Pode ficar certa, minha velha, que o NOSSO filho tem tudo pra sofrer a maior decepção de sua vida…

– A gente não pode fazer nada pra evitar isso, Hermógenes?

– Quando chega nessa fase, fica bem mais difícil. E você recorde bem, Tildinha, que eu disse pra Antônio, logo quando ele se mostrou interessado nessa coisa: “Pra entrar em política, meu filho, o indivíduo tem de ter tutano, ou seja, tem de ter dinheiro muito, de tal sorte que, rasgando algum, isso não lhe vá fazer falta; tem de ser conversadorzinho pra levar a cambaiada no discurso e no cochicho; tem de ter ouvido de penico pra aturar as porcarias que vai ouvir, sem se exaltar e sem dar qualquer tipo de troco; tem de ser liso que nem sabonete de pensão pra se livrar das situações as mais vexatórias; tem de ser mentiroso sem perder a confiança do povo; tem de ser ladrão…”

– Pare aí, meu velho, por favor! A gente sofre pra botar filho no mundo, se sacrifica pra criar, pra educar, e, aí, quando ele vira homem, se acha no direito de fazer a gente morrer de vergonha… Meu Deus, o que fiz eu de tão errado pra merecer semelhante castigo?!

– Tildinha, não sofra de véspera. A gente não pode fazer nada. Deixa o Antônio aprender com a vida. Vamos pensar positivo. Já imaginou se ele…

– Eu não quero nem pensar nisso. Dói só em pensar o que vão dizer de mim… de nós… estar na boca do povo, dessa gente maledicente. Você pensa igual a mim, Hermógenes?

– Quer saber de uma coisa, minha velha? Eu vou dizer o mesmo que sempre diz a madre superiora: “Fraldem-se!!!”

Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.

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Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.

3 comentários

  1. Francisco Luciano Gonçalves Moreira

    UM OUTRO VALOR QUE A PALAVRA PODE ESCONDER
    Aí o meu neto quis saber:
    – Vô, o que o senhor quis dizer com “fraldem-se!”?
    E eu, que não sou marinheiro-de-primeira-viagem, percebi nele um olhar de quem-já-sabe-mas-precisa-de-confirmação, respondi:
    – Não acredito que você, nessas suas andanças sem fim pelos muitos caminhos que as redes sociais lhe convidam a percorrer, já não tenha ouvido uma expressão sempre usada por quem demonstra desinteresse por alguém ou não está nem aí com os outros ou pretende explodir sua indignação ou impaciência.
    – Sim, vô! Já ouvi. E é isso o que o senhor quis dizer?!
    – Sim. Só que se trata de um termo impublicável. Trata-se de expressão que contraria a moralidade e os bons costumes. Por isso, costumamos dizê-la em conversas informais, em momentos de colóquio, e substituí-la, na linguagem formal, por outra dentro dos padrões de aceitação do público ledor mas com carga semântica ou de sentido que sugira o que, na verdade, gostaríamos de dizer.
    – Como o pê-quê-pê?!
    Assustei-me um pouco com a indagação, mas mantive a calma, já que qualquer atitude de advertência ou policiamento que tomasse não surtiria o efeito desejado; afinal, ele já demonstrava ser conhecedor da artimanha, do jeito bem brasileiro de dissimular, de dar um toque moleque com intenção outra. Assenti, então:
    – Podemos dizer que sim. Como pê-quê-quê!
    E nada mais foi dito, mesmo porque nada mais foi perguntado.

    Oportuno é acrescentar que a expressão “Fraldem-se!” pode ser considerada gramaticalmente aceita. O verbo FRALDAR (com “l” e não com “u”), usado pronominalmente, adquire o sentido de “vestir-se com o fraldão” (a fralda geriátrica, por exemplo).

  2. Francisco Luciano Gonçalves Moreira

    UM OUTRO VALOR QUE A PALAVRA PODE ESCONDER

    Aí o meu neto quis saber:
    – Vô, o que o senhor quis dizer com “fraldem-se!”?
    E eu, que não sou marinheiro-de-primeira-viagem, percebi nele um olhar de quem-já-sabe-mas-precisa-de-confirmação, respondi:
    – Não acredito que você, nessas suas andanças sem fim pelos muitos caminhos que as redes sociais lhe convidam a percorrer, já não tenha ouvido uma expressão sempre usada por quem demonstra desinteresse por alguém ou não está nem aí com os outros ou pretende explodir sua indignação ou impaciência.
    – Sim, vô! Já ouvi. E é isso o que o senhor quis dizer?!
    – Sim. Só que se trata de um termo impublicável. Trata-se de expressão que contraria a moralidade e os bons costumes. Por isso, costumamos dizê-la em conversas informais, em momentos de colóquio, e substituí-la, na linguagem formal, por outra dentro dos padrões de aceitação do público ledor mas com carga semântica ou de sentido que sugira o que, na verdade, gostaríamos de dizer.
    – Como o pê-quê-pê?!
    Assustei-me um pouco com a indagação, mas mantive a calma, já que qualquer atitude de advertência ou policiamento que tomasse não surtiria o efeito desejado; afinal, ele já demonstrava ser conhecedor da artimanha, do jeito bem brasileiro de dissimular, de dar um toque moleque com intenção outra. Assenti, então:
    – Podemos dizer que sim. Como pê-quê-quê!
    E nada mais foi dito, mesmo porque nada mais foi perguntado.

    Oportuno é acrescentar que a expressão “fraldem-se!” pode ser considerada gramaticalmente aceita. O verbo FRALDAR (com “l” e não com “u”), usado pronominalmente, adquire o sentido de “vestir-se com o fraldão” (a fralda geriátrica, por exemplo).

  3. Francisco Luciano Gonçalves Moreira

    UM OUTRO VALOR QUE A PALAVRA PODE ESCONDER

    Aí o meu neto quis saber:
    – Vô, o que o senhor quis dizer com “fraldem-se!”?
    E eu, que não sou marinheiro-de-primeira-viagem, percebi nele um olhar de quem-já-sabe-mas-precisa-de-confirmação, respondi:
    – Não acredito que você, nessas suas andanças sem fim pelos muitos caminhos que as redes sociais lhe convidam a percorrer, já não tenha ouvido uma expressão sempre usada por quem demonstra desinteresse por alguém ou não está nem aí com os outros ou pretende explodir sua indignação ou impaciência.
    – Sim, vô! Já ouvi. E é isso o que o senhor quis dizer?!
    – Sim. Só que se trata de um termo impublicável. Trata-se de expressão que contraria a moralidade e os bons costumes. Por isso, costumamos dizê-la em conversas informais, em momentos de colóquio, e substituí-la, na linguagem formal, por outra dentro dos padrões de aceitação do público ledor mas com carga semântica ou de sentido que sugira o que, na verdade, gostaríamos de dizer.
    – Como o pê-quê-pê?!
    Assustei-me um pouco com a indagação, mas mantive a calma, já que qualquer atitude de advertência ou policiamento que tomasse não surtiria o efeito desejado; afinal, ele já demonstrava ser conhecedor da artimanha, do jeito bem brasileiro de dissimular, de dar um toque moleque com intenção outra. Assenti, então:
    – Podemos dizer que sim. Como pê-quê-quê!
    E nada mais foi dito, mesmo porque nada mais foi perguntado.

    Oportuno é acrescentar que a expressão “Fraldem-se” pode ser considerada gramaticalmente aceita. O verbo FRALDAR (com “l” e não com “u”), usado pronominalmente, adquire o sentido de “vestir-se com fraldão” (a fralda geriátrica, por exemplo).