Fascismo a gente não acaricia nem lhe faz casa; combate-o incansavelmente. Os últimos registros da violência contra as populações brasileiras, dos mais variados recantos do país, seja por cidadãos contra cidadãos, como ocorreu com o covarde assassinato de um idoso por um adulto atlético bolsonarista em Camboriú – SC, seja pelas forças de repressão dos entes federativos, vêm confirmar que o Brasil desde o Golpe de 2016 entrou numa rota de autoritarismo político e violência econômica sobre a classe trabalhadora com nítidos laivos fascistas.
No recente episódio de Paraisópolis, no qual nove jovens adolescentes, Marcos Paulo, Bruno, Eduardo, Denys Henrique, Dennys Guilherme, Mateus, Gustavo, Gabriel, Luara e outro jovem que ainda não foi identificado, foram vítimas indefesas do massacre perpetrado pela Polícia Militar do governador João Doria (PSDB – SP), vê-se claramente como se dá a luta de classes no Brasil. Ela está a radicalizar-se de forma assustadora pela conivência de diversos segmentos da sociedade brasileira a favor da violência simbólica e real desenvolvida pelos operadores dos governos – federal e estaduais -empossados em 2019. A Folha de São Paulo registrou que para um número significativo de internautas, a multidão de jovens atacada pela Polícia Militar paulista em Paraisópolis mereceu a truculência da ação pelo simples fato de serem frequentadores de bailes funks. Para estes segmentos abastados, o assassinato é justificável porque gostar de funk é sinônimo de ser bandido. Uma nítida expressão de ferocidade ideológica contra as pessoas que habitam as periferias deste país, uma vez que o funk é o estilo musical preferido pelos jovens pretos, pardos e pobres das favelas.
Em meus dois últimos artigos anteriores, “Cristofascismo: o que é isso?” e “Presente de Natal de Bolsonaro: o excludente de ilicitude”, atentei para o fato de neste ambiente político brasileiro, diversos movimentos e associações ditas cristãs, com expressão nacional, estarem desde 2018 apoiando as ideias e o comportamento explicitamente de extrema-direita, de apologia às armas, à tortura, ao racismo, a tudo que representa exclusão, materializado por Bolsonaro. Esses movimentos e associações cristãs contribuíram decisivamente para a sua vitória na eleição presidencial pela influência e articulação que seus fiéis têm em suas bases locais. Logicamente, recebi muitos apoios aos dois textos publicados, como também houve quem discordasse veementemente de minha análise. De fato, quando escrevemos não o fazemos para agradar quem quer que seja; buscamos sim ser fiéis à compreensão dos fatos objetivos os quais esforçamo-nos por analisa-los antes de publicarmos nossas percepções, com o objetivo de contribuir para clarificar a realidade. Sendo assim, preferimos plenamente a crítica às nossas ideias publicadas do que censuras prévias impeditivas da expressão do nosso pensamento.
No dia 05 de novembro passado o cantor Caetano Veloso, em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) pela ADPF 614, veio oportunamente iluminar a questão. Veloso disse que o escritor é um coadjuvante de uma história maior, porque o real valor da Liberdade de Expressão é o PÚBLICO. A liberdade de expressão está principalmente no direito de ler, de ver e de escutar mais do que sobre o direito de dizer. É o direito do público de ter acesso a IDEIAS VARIADAS, inclusive daquelas diferentes que ele já conhece e aprova. O público tem autonomia. É no direito que o público tem de ser exposto ao novo e ao desconhecido que reside a importância democrática e cultural da liberdade de expressão.
Logicamente, nossas análises fundamentam-se principalmente na ferramenta histórica de leitura dos acontecimentos. Se nos artigos passados utilizamos a noção de “cristofascimo” fundada pela teóloga alemã Dorothee Sölle, na década de 1970, para definir a postura política que combina a relação entre cristianismo com fascismo baseando-se no fato de as relações do partido nazista alemão com as igrejas cristãs haverem contribuído para o desenvolvimento do Terceiro Reich, vale a pena lembrar que esse fenômeno não se deu apenas no experimento nazista alemão como também amplamente no fascismo franquista espanhol (1936-1976), por um tempo histórico ainda muito maior.
O historiador português Manuel Loff, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, lembra que em relação à ditadura franquista, a Igreja Católica, incluindo não apenas a sua hierarquia, mas também suas ramificações de intervenção social e político, contribuiu com toda a sua estrutura simbólica e ideológica para legitimar as soluções políticas daquele regime que vieram a revogar o sentido fundamental das políticas laicistas. E, uma vez derrubadas estas políticas e estruturas laicistas, “a relação que se estabeleceu entre a Igreja Católica e a ditadura espanhola não foi meramente uma relação de pura exterioridade, mas algo de ideologicamente intrínseco ao regime”. Por exemplo, com a Concordata de 1953, uma espécie de tratado entre Igreja Católica e Estado Franquista, o catolicismo foi designado como a única religião da Espanha. Além disso, foi concedida à Igreja Católica uma enorme influência na área educacional, nas escolas e nos currículos escolares. Dificultou-se também a realização de casamentos apenas civis. E eventuais julgamentos de padres, monges e freiras deixaram de ser da alçada da Justiça comum. Em contrapartida foi dada ao ditador Franco a prerrogativa de indicação de bispos, um direito tradicionalmente concedido à monarquia espanhola. Franco buscou, logicamente, nomear aqueles bispos que tivessem uma ligação mais estreita com o seu regime.
Como lembra o prêmio Nobel de literatura, Bob Dylan, é fundamental conhecer nossa história porque alguma coisa está acontecendo e você não sabe o que é.