Michel Montaigne (1533-1592), em seus “Ensaios” (Abril Cultural, 1972), encontra um grave defeito na escola dos negócios públicos dos homens: “em vez de procurarmos tomar conhecimento uns dos outros, esforçamo-nos somente por nos tornar conhecidos: mais nos cansamos em expor nossas mercadorias do que em adquirir outras novas”.
Dito de outra forma, esquecemos que o silêncio, a modéstia e a capacidade de escuta e de contemplação são qualidades importantes em quaisquer conversações que se pretendam proveitosas: o exercício do silêncio é imprescindível para sociabilidades humanas sadias.
O mundo contemporâneo está focado no narcisismo, na exibição intensa da intimidade individual. Por essa onda midiática egocêntrica a humanidade paga um preço muito alto, pois se constata cada vez mais uma desproporção entre a exposição desequilibrada de vidas privadas em detrimento do debate político com o consequente esvaziamento da esfera pública. A ausência de conhecimento crítico e da capacidade de conversação qualificada sobre os problemas comuns que afetam sociedades inteiras são resultado dessa onda de narcisismo midiático global gerador de pensamento fluído, acrítico.
Sabemos que a comunicação é um conceito básico da moderna teoria da sociedade. A palavra ocupa um lugar de destaque nesse palco comunicativo. Acontece que a palavra comunicativa só pode ser lançada e compreendida em espaços que a recebam com a devida atenção. Emissão e Recepção fazem parte do mesmo sistema comunicativo possuindo a mesma importância para que resultem em diálogo compreensivo e enriquecedor dos sujeitos que interagem entre si. Consequentemente a vida pública requer a existência de personalidades dispostas a se comunicar ao admitir suas diferenças por meio de uma abertura para o diálogo honesto em torno das novidades decorrentes de suas diferenciações.
O comportamento comunicativo civilizado exige, portanto, um grande controle sobre si como sendo uma faculdade de sociabilidade criativa e sadia. Torna-se incivil aquele tipo de comunicação cujo objetivo é a manipulação, impondo as minhas convicções de forma egoísta, sem o mínimo de fundamentos racionais demonstráveis e sem respeitar o outro para quem se emite a mensagem. Essa é tipicamente uma comunicação antipolítica porque voltada simplesmente para os meus interesses privados e minhas satisfações pessoais sem a preocupação de saber sobre a realidade concreta e os motivos do outro: este se torna apenas objeto de minha auto-satisfação.
No cenário político brasileiro dessas eleições presidenciais essa manipulação está acontecendo em escala exponencial com o fenômeno das notícias falsas – “fake news” – produzidas por diversos grupos, do qual se destacou o MBL (já penalizado pelo Facebook), que contaminou a cena pública ao produzir uma infinidade de mensagens falsas como sendo verdadeiras tendo em vista seus interesses privados. Agora, no segundo turno da eleição, esse tipo de manipulação sistemática está sendo desenvolvida sem escrúpulos pela equipe de uma das candidaturas, demonstrando o quanto de desprezo ele tem pela política como espaço debate civilizatório. Recentemente o candidato Fernando Haddad propôs a este seu adversário firmarem um pacto ético contra a produção de “fake news”, no que o seu o opositor se negou com veemência a firmar tal compromisso público.
É preciso que as autoridades constituídas atuem urgentemente para impedir e punir esse processo de produção sistemática de “fake news” por parte desses grupos inescrupulosos se quisermos de fato alimentar o crescimento de uma esfera pública de qualidade no Brasil, capaz de atender aos desafios que nos são propostos em vista do bem coletivo. Os democratas brasileiros clamam pela qualidade e pela verdade no debate público distante dessa baixaria de conteúdo produzido pela equipe da referida candidatura.