Comentários desativados em Existe terceira via no Brasil?
Existe terceira via no Brasil?
Como já destacado anteriormente neste blog (O fator Lula,31/03) a possibilidade de candidatura do ex presidente Lula realinhou o xadrez político para 2022. É como se a eleição de fato tivesse começado com a fatídica decisão do ministro Edson Fachin. Um fato relevante em torno da discussão do ”fator Lula” é a constituição da chamada ”terceira via”, que representaria uma alternativa à polarização política e afetiva composta pelo presidente Bolsonaro e Lula. Parece claro que a bater na tecla nessa questão e publicar a todo momento as ações dos ”presidenciáveis de centro” é uma resposta de setores significativos da sociedade civil brasileira, hostis ao capitão e ao sindicalista (ainda que muitos tenham escolhido o primeiro em 2018, e alguns de forma entusiasmada) e sobretudo da mídia tradicional composta por grandes conglomerados comunicacionais que não aceita endossar os agente da atual polarização.Assim se estabeleceu de forma tão natural quanto a luz do dia que a terceira via, o centro no Brasil, é composta por Ciro Gomes(PDT), Luiz Henrique Mandetta(DEM), João Dória(PSDB), Eduardo Leite (PSDB) e o apresentador de televisão Luciano Huck. Os nomes citados chegaram até mesmo a assinar juntos um manifesto pela democracia ainda este ano. Contudo, vale a pergunta; os nomes estabelecidos representam uma mudança real em relação à polarização? e afinal que troço é terceira via?
Começando pela segunda indagação, terceira via é um rótulo político de longa data. Segundo Anthony Giddens(1999), a expressão foi usada nos anos 1920 por grupos de direita como uma forma de traçar uma via diferente do comunismo soviético e do liberalismo norte-americano, também foi utilizado nas décadas de 50 e 60 por social-democratas e socialistas para estabelecer tanto o chamado estado de bem estar social como o socialismo com rosto humano na Tchecoslováquia de Alexander Dubcek (que resultou na Invasão soviética de Praga sufocando as reformas internas no país) e no fim dos anos 1990 na Europa ocidental teve um significado associado a renovação e mudança de programa político do Partido Trabalhista Britânico sob liderança de Tony Blair, e na América com as propostas reformistas de Bill Clinton do Partido Democrata, com influência intelectual do sociólogo inglês que explicitou suas concepções sobre o tema em obras como; A terceira via(Record,1999) e A terceira via e seus críticos(Record,2001).Nas palavras do autor;
Como explico neste livro, a expressão ”terceira não tem significado especial e por si mesma.(..)Faço uso dela aqui para me referir à renovação social-democrática – a versão atual do esforço que os social-democratas tiveram de empreender periodicamente e com muita frequência ao longo do século passado para repensar a política (GIDDENS, 1999, p.07).
Historicamente o termo terceira via simbolizou mudanças programáticas e divergências teóricas com o status quo político em questão. A direita que a usou na década de 1920 tinha em mente uma sistematização de uma organização social e política que rejeitava o bolchevismo então recente e o estilo de vida norte americano, estabelecendo uma agenda ultranacionalista com materialização no fascismo de Benito Mussolini. Os socialistas e o social-democratas a instrumentalizaram para estabelecer diferenças com o modelo da Guerra fria, que, como diz a piada, rivalizava os autoritarismos movidos por Stálin e Mickey Mouse, e sobretudo para formar uma proposta que defendia um socialismo democrático no primeiro caso e a promoção do estado de bem estar social no segundo.
O que é proposto pelos nossos presidenciáveis de centro, abordando a primeira pergunta feita dois parágrafos acima, não representa uma ruptura com o que está estabelecido na política brasileira.Ora, Ciro Gomes, que busca o espaço da centro-esquerda além de ter sido ministro no governo Lula, defende um projeto econômico nacional desenvolvimentista que impõe ao Estado a responsabilidade do investimento e do estímulo à indústria que de maneira geral se assemelha ao que foi feito na Era Lula e na gestão de Dilma Rousseff, a chamada ”nova matriz econômica”. É compreensível que Ciro e seus apoiadores nas redes sociais não gostem desta constatação, acusando aqui e ali o PT de neoliberalismo e de capitulação ao projeto de FHC, entretanto, é óbvio que o Ciro presidente não vai ser igual ao Ciro candidato, ou seja, Ciro vai impor sua agenda trabalhista ao mesmo tempo que agrada o mercado, como o PT fez. Politicamente, o Ferreira Gomes almeja o centro visando as próximas eleições, algo que Lula fez com maestria em 2002 e pode fazer de novo ano que vem. Já João Doria, Luiz Henrique Mandetta e Eduardo Leite rezam na cartilha econômica de Paulo Guedes, em político querem ocupar a centro-direita democrática, posição esta que o PSDB exerceu nas eleições presidenciais de 2002, 2006,2010, 2014 e 2018. Lembremos que Mandetta ficou por mais ou menos um ano no governo Bolsonaro, João Doria e Eduardo Leite apoiaram o capitão contra o ”perigo vermelho” em 2018 e Luciano Huck…bem estava apresentando o Caldeirão do Huck aos sábado, mas o fato é oposição ao Palácio do Planalto surgiu somente pela incompetência do governo federal em gerir e resolver qualquer coisa, para a surpresa de ninguém com boa vontade e acesso ao Google, e de forma trágica pela condução genocida da pandemia de Covid-19 pelo presidente Bolsonaro. Se o vírus não existisse e o país estivesse razoavelmente estável será que os nomes citados se oporiam ao bolsonarismo? Mesmo sabendo que o capitão tinha falas e posturas extremistas e autoritárias?
O rótulo de terceira via só surgiu atualmente no Brasil por que os supostos agente deste campo possuem divergências circunstanciais com o PT e Jair Bolsonaro, e não podemos esquecer os interesses eleitorais dessa postura. Que o leitor tenha isso em mente ao ler ou ouvir os editorias da mídia tradicional sobre o assunto.