Estado mental de negação

Atualmente estamos convivendo com situações extremas. Em todos os sentidos, o momento exige cautela e discernimento, e mesmo estando todos extremamente cansados, e nos sentindo desamparados, precisamos nos cuidar.

Desde que acordamos, convivemos com espaços que contém referências sobre nós. Sejam referências de construção, aprisionamento ou satisfação, o fato é que tudo o que está ao nosso redor conta um pouco da nossa história. Já no café da manhã, os nossos gostos estão ali impressos, nos lembrando quem somos, de onde viemos, e para onde queremos ir. Isto de certa forma nos dá a sensação de conforto, amparo e segurança.

Porém todos temos aspectos mais organizados, saudáveis, integrados, e outros menos integrados, e quando enfrentamos situações de mudanças em nossas vidas, parece que todas as referências que tínhamos até então se veem ameaçadas. Perdemos a sensação de controle que imaginávamos ter, nos sentimos invadidos, e isto gera em nós um grande medo do que estar por vir.

O estado de negação pode momentaneamente não nos conectar com as circunstâncias, mas inevitavelmente estaremos adiando uma ação de integração do nosso ego, quando negamos algo que está diante de nós.

Negação é um processo pelo qual a pessoa, de alguma forma, não quer tomar conhecimento de algo. Diante deste estado, as pessoas costumam tomar decisões imprudentes porque não querem olhar para a realidade. É a defesa que se baseia em negar a dor.

Atualmente estamos convivendo com um estado de negação que potencializa um sentimento de desamparo e inconstância dentro de nós. A tragédia que assistimos atualmente, nos recoloca na realidade que evitamos enxergar, e nos faz ver, o quanto negamos que ela pudesse acontecer.

O difícil é assumir que todos de alguma forma somos responsáveis pela negligência coletiva, muitas vezes já enraizada em nossa cultura, por tão envolvidos que estamos na grande negação coletiva dos riscos que assistimos diariamente.

Tão cruel quanto a dor por cada vida perdida nessa tragédia, o difícil também será quando retomarmos nossas rotinas, e nos darmos conta do que e de quem perdemos.

Diante do estado de negação, o que parecia ser algo seguro e saudável, que é a nossa própria convivência com nossas referências, “as mesmas”, se tornam ameaças que nos assombram pelo nosso próprio estado diante dos fatos.

Reconhecer e enfrentar situações adversas não são tarefas fáceis, mas negar a realidade pode comprometer muito mais a nossa rotina, porque nos levará ao caos do não entendimento e enfrentamento da realidade. E quando enfrentamos uma situação coletiva, a atitude de um interfere na rotina do outro, e consequentemente toda aquela estabilidade que pensávamos ter, se vê ameaçada.

Portanto, afirmar que algo não é verdadeiro ou não existe, se recusar a conviver com situações de privação, poderá sim, comprometer a curto prazo tudo que mais amamos e apreciamos. Os nossos parentes e amigos, aquele café, os nossos apetrechos, enfim, tudo o que conta a nossa história.

Em tempo: este texto foi escrito ao som da música “Querelas do Brasil” de Maurício Tapajós e Aldir Blanc, cantado por Quarteto em Cy.

 

 

 

 

 

Claudia Zogheib

Claudia Zogheib é Psicanalista, Psicóloga Clínica, especialista pela USP- Departamento de Psicologia. responsável pelas páginas Cinema e Arte no Divã, Auguri Humanamente www.claudiazogheib.com.br / www.augurihumanamente.com.br

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Claudia Zogheib é Psicanalista, Psicóloga Clínica, especialista pela USP- Departamento de Psicologia. responsável pelas páginas Cinema e Arte no Divã, Auguri Humanamente www.claudiazogheib.com.br / www.augurihumanamente.com.br