Enquanto se vive, esperar não vale a pena

Todas as manhãs são iguais. Nós é que alimentamos em muitos sentidos a ilusão de que a cada novo dia tudo será diferente. Certamente há diferença em tudo. O mundo, as relações humanas e todos os aspectos do cotidiano comportam em si mesmos, diferenças e também semelhanças. Isso é seguramente, uma evidência banal. Contudo, a cada dia, pensamos reiteradamente nas possibilidades de tornar nossa vida mais significativa e deslumbrante. O problema é que nem sempre as cosias acontecem conforme nossos desejos e expectativas. Todo dia é imprevisível. Assim, é sempre bom começar o dia com uma boa dose de pessimismo. Porque o pessimismo constitui um mal necessário para aqueles que precisam aceitar que quando uma coisa não dá certo, é melhor resignar-se e esperar pelo próximo descalabro.

Convém lembrar que toda manhã é precedida de madrugadas profundas – pelo menos para aqueles que mergulham nas madrugas em meio ao silêncio e a solidão – e nada se compara a uma angústia que irrompe num instante de delírio e arrebatamento. A propósito, toda madrugada é propícia para revelar nossa falta de discernimento sobre o vazio que atravessa nossa imaginação depois de sabermos que somos impotentes para transparecer lucidez. Embora tenhamos razões suficientes para acreditar que depois de acordar de um pesadelo, podemos olhar para o lado de fora da janela e perceber que a luz do dia não representa nada de auspicioso, ainda assim, o que resta é uma certeza amarga de que o dia será longo como um túnel sem luz no fim.

Tudo que passou agora é um espectro do passado, não mais do presente. Portanto, estamos submetidos de forma implacável ao transcurso do tempo. Tempo que faz suscitar todos os instantes acumulados em nossa memória individual. Como nada mais se repete, acreditamos conscientemente que o novo sempre vem de uma maneira ou de outra, e isso, decerto, nos provoca uma infinidade de expectativas por vezes, vãs. Com efeito, o aspecto absoluto do tempo me atordoa. Lança-me num abismo de memórias e solidão. Não há mais retratos nos quais me veja. E tudo é assim, mórbido e cheio de tardes cinzas. 

Prossegue o dia. Não acredito em Deus pelo simples fato de que ele não existe. E se existisse, absolutamente não faria sentido para mim. Tara-se de um absurdo acreditar em um Deus ou Deuses. As pessoas podem acreditar no que elas quiserem, mas Deus não passa de uma representação imaginária sem valor algum em si mesma. Deus não criou os homens, mas os homens criaram Deus, dizia um filósofo. A criatura (Deus) subjugou o seu criador (os homens). Nisso reside, seguramente, a nossa incapacidade de sermos pessoas realmente humanizadas. Devemos destruir a imagem de Deus para recobrarmos nossa sanidade mental e nossa humanidade perdida.  

A existência terrena, única e absoluta deve ser nosso reconforto propriamente. Penso. Nada em especial me consola do fato de que viver é transitório, a não ser a certeza de que essa transitoriedade tem que ter fim, para não sucumbirmos ao tédio de uma existência ilusoriamente infindável. Morrer é necessário para a vida ter completude. Suplantar a infâmia de viver mesquinhamente acreditando numa vida no “além”, ou paraíso, seja o que for.

Antonio Marcondes Santos Pereira

Antonio Marcondes dos Santos Pereira é formado em História pela Universidade Estadual do Ceará - UECE e Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceara - UFC. Atualmente está professor substituto da UECE (Curso de Pedagogia). É Membro do Grupo de Pesquisa Ontologia do Ser Social, História, Educação e Emancipação Humana – GPOSSHE e do Grupo de Estudos Marxistas -UFC

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Antonio Marcondes Santos Pereira

Antonio Marcondes dos Santos Pereira é formado em História pela Universidade Estadual do Ceará - UECE e Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceara - UFC. Atualmente está professor substituto da UECE (Curso de Pedagogia). É Membro do Grupo de Pesquisa Ontologia do Ser Social, História, Educação e Emancipação Humana – GPOSSHE e do Grupo de Estudos Marxistas -UFC