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Ela: E o amor na idade moderna

A ficção científica como gênero cinematográfico há muito se constituiu na história do cinema. No entanto, pensarmos sua atual forma de ser nos leva ao instigante exercício de refletirmos aonde ela chegou ou pode ir. Para isso, claro, temos de considerar a condição de uma análise baseada não no que há de dissociativo do sci-fi mas sim naquilo o que ele agrega aos seus fundamentos. E esse foi o modo como Spike Jonze se posicionou ao nos presentear com seu gracioso “Ela” (2013).

Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) é um solitário escritor que desenvolve um inesperado relacionamento com seu mais novo sistema operacional (SO) autodenominada de Samantha (Voz de Scarlett Johansson). E nesse futuro onde o cotidiano dos homens está bem integrado às funcionalidades que o ciberespaço oferece, nosso personagem embarca numa viagem de autodescoberta do amor, da vida e dos limites entre o virtual e o real.

Então, estamos diante de uma estória de amor. Mas o olhar do realizador e a maneira como o mesmo construiu essa narrativa é o que dá a particularidade desse filme. Porque “Ela” não trata dos clichês que se podem encontrar na forma e conteúdo desse e de tantos outros longas dessa linha. E aí, roteiro, dramaturgia, fotografia, som e direção de arte formam um cordão inquebrantável que colocam o trabalho num outro nível da experiência cinematográfica.

Esqueçam, entretanto, as imagens programadas para impressionar. Nada disso! É no minimalismo e na aproximação suave dos elementos constitutivos do longa que nele embarcamos. Theo, não é o depressivo caractere cuja situação nos obriga a olhá-lo com pena. Ele sai de uma casamento e a falta do relacionamento o aflige, mas sua condição não é a do homem que se afoga. Há espaço para dúvida. Ele vive num futuro concreto. Mas seu perfil é aquele o qual nós mesmos nos formamos. Ele é um homem “ordinário”.

Uma vez que o futuro de Jonze não é extraordinário. As pessoas só utilizam transporte público. A configuração do espaço é a das metrópoles e seus arranha-céus, e o avião pode ser apenas uma escultura posta no centro de uma praça. As roupas possuem uma estilística, mas não cintilam ou ali estão para se sobrepor às pessoas. Homens usam calças com cintura alta, mulheres usam saias à altura dos joelhos. Isso é o futuro. Simples. Original.

Desse modo é a ficção científica de um realizador que olha para a direção artística na medida com que trabalha seu casting. A atuação segue a linha do naturalismo nos dizendo o quanto a invenção do cotidiano pode ser essencial. Quase imutável na aventura de buscarmos nos entender enquanto humanos. Imprescindível, logo, considerarmos o fato de Jonze se ancorar num namoro de um homem com seu sistema operacional. E aí vamos acompanhando como isso pode se dar.

Importante desconsiderarmos qualquer bizarrice. Sim, Samantha, a adorável SO de voz rouca e gênio apaixonante é Scarlett Johansson. Mas ela é apenas uma voz durante o filme todo. E sua potência emerge disso. Porque no momento em que ela e Theo fazem amor pela primeira vez é o nosso imaginário que dita a ação. A tela fica escura. Fechamos os olhos e somos guiados juntos às sensações que o casal partilha, entre sussurros de desejo e o êxtase do gozo. Isso é o amor.

Simples inicialmente. Como a própria força que nos empurra para frente. Nossos personagens também seguem essa direção. O relacionamento avança. Theo apresenta o mundo à Samantha. Ela, o mostra como ele pode olhá-lo de outra forma. Porque nenhum dos dois jamais amou alguém da forma como ambos amaram um ao outro. Isso fica claro. E talvez por isso mesmo que eles chegam no ponto da avaliação decisiva para o caminho que tomarão. A resposta não será encontrada facilmente.

Como saldo, “Ela” é a pura expressão do que seria o amor na idade moderna. Puro mas complexo, duro e transformador. Para os que se permitem a coragem de assim vivê-lo, é claro. Porque aquilo o que o amor busca de nós pode ser a forma de sentirmos e entendermos, para o nosso crescimento, como a pessoa que escolhemos como parceira modifica e deixa algo dela mesma naquilo o que somos antes e após sua entrada. Somos muitas Samanthas e Theodoros também, espalhados nas experiências da vida.

O cinema como forma de transformação dos olhares no mundo será sempre um ato político. E Spike Jonze tem total consciência disso. Seu modo de aplacar a megalomania do “megafilme” é a autenticidade de “Ela”. Cujo refino notamos desde os primeiros 20 segundos (com a trilha incidental que nos ganha em gradação) aos créditos finais (onde o diretor dedica sua obra aos amigos James Gandolfini, Maurice Sendak, etc.) É esse olhar generoso que o coloca como como essencial fomentador do futuro da cinematografia contemporânea.

 

FICHA TÉCNICA

Título Original: Her

Gênero: Drama, Romance, Ficção Científica

Tempo de duração: 126 minutos

Ano de lançamento (EUA ): 2013

Direção: Spike Jonze

Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.

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Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.

2 comentários

  1. A admiradora!!!

    Boa tarde jovem jornalista. Gosto muito do seu trabalho, você tem muito talento. Tenho acompanhado-o a alguns meses. Através do seu olhar, com relação ao modo como o ver, me fez ter uma visão diferente da que tinha antes sobre alguns filmes. Obrigada por isso. Mas o que me traz aqui hoje foi a curiosidade de saber o por que desse filme? Podemos vê que ele desperta algo a mais em você. A tal modo que fiquei curiosa, teve que assisti-lo, inclusive gostei. Ele é um bom filme, onde mostra a necessidade de termos um Amor que esteja sempre ao nosso lado, como ele o faz com o programa a ponto de criar um pra não se sentir tao só em meio a tanta gente. Obrigada meu querido.

    • Daniel Araújo

      |Autor

      Olá admiradora. Obrigado pelo apoio e a leitura! é incrível a sensação de ver nossas ideias confluindo com as ideias de outras pessoas. Isso é maravilhoso. Eu é quem agradeço a oportunidade de nos acompanhar. bjs.