Zélia Gattai disse, numa entrevista de que me escapa a origem, uma declaração de amor de que jamais me esqueço: “Jorge, quando morrer, quero que tenha encomendado um caixão de casal”.
Zélia era casada com Jorge Amado e ia, com a desconcertante declaração, para além do que os amantes juram aos pés do altar: “Até que a morte nos separe!”
Claro, era uma forma de afirmar, num rompante romântico, o seu amor pelo escritor baiano.
Mas, se o leitor ainda crê que o amor pode ser eterno, que bom. A literatura imortalizou histórias inesquecíveis, e não é apenas do mito que estou falando. Houve na realidade, sobre a matéria, casos fascinantes. O filósofo André Gorz, por exemplo, um judeu austríaco desprovido de qualquer atributo de beleza clássica, narigudo e deselegante no andar, conheceu em outubro de 1947 a atriz Dorine, integrante de um grupo de teatro da cidade de Lausanne, com quem viria a casar rapidamente e da forma mais inusitada possível. Vou contar.
Gorz encontrou-a recém-chegada à Suíça, e ficou arrebatado pelos seus encantos, ainda que nunca antes tivessem ido além de duas ou três palavras de uma conversa informal. Amor à primeira? Sim, foi amor à primeira vista. Dias depois, vendo-a passar por uma rua da cidade, acompanhou-a a passos largos e fez a proposta desconcertante: “Vamos dançar?” Mais desconcertante ainda foi a resposta da bela mulher: “Why not?” — Por que não, disse ela.
Na terceira ou quarta vez que a encontrou, Gorz pôde finalmente beijar Dorine e tirar-lhe a roupa, como está descrito no livro “Carta a D. – A história de um grande amor”: “O prazer não é algo que se tome ou dê. É um jeito de doar-se e pedir ao outro a doação de si”.
Viveram juntos 60 anos, até 22 de setembro de 2007, quando Gorz e Dorine foram encontrados mortos, de mãos dadas, num quarto na casa deles, em Vosnon, na França. Haviam feito um pacto de suicídio por injeção letal.
O livro está esgotado em suas duas primeiras edições e deve ser reeditado pela Companhia das Letras, brevemente. Conta a trajetória de André Gorz nos meios intelectuais franceses, onde se destacou como pensador atento e sensível na corrente existencialista liderada por Jean-Paul Sartre e Albert Camus. Como o primeiro, influenciou a juventude parisiense que, em 1968, viraria a cidade de pernas para o ar. Tornar-se-ia um dos mais festejados gurus dos jovens franceses, aos quais, mais tarde, desapontaria com críticas ao marxismo no livro “Adeus ao proletariado” (1980).
Se você, leitor, como eu, ainda acredita na possibilidade de encontros definitivos, adquira o livro tão logo chegue em nova edição. Enquanto isso, beba nas palavras do autor a sua mulher aqui citadas: “Você está para fazer 82 anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos, e continua bela, graciosa, desejável. Já faz cinquenta e oito anos que vivemos juntos e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher.”
Eis que o amor pode ser eterno.
brazdealmeida.cicero@gmail.com
Uma história interessante. Sim, caro amigo, também acredito nos encontros definitivos.