— E o Companheiro Acácio, por onde ele se enfiou, Clauder Arcanjo? — indaga-me o amigo Osvaldo Araújo — Não me diga que ele abandonou a trama que traz o nome dele no título: A Razão de Acácio! — espeta-me, Osvaldo.
Cabisbaixo, confesso que não sou um autor pleno de todas as respostas literárias. Desconfio de que elas, cada vez mais, se distanciam, como a quererem se afastar de mim, quando pego da pena e tento seguir com esta minha noveleta.
Resolvo sair. Alguns autores recobram a inspiração ao flanarem pelas ruas, sem rumo certo. Mal dobro a primeira esquina, ouço a voz do Dimas Macedo:
— Clauder, Acácio tem razões flamejantes e punhais de amor na imaginação.
Somente um poeta como o Dimas para me “consolar”; se é que tal verbo seja o mais adequado.
Pouco importa, a resposta me atende e envio-a daqui para o Sítio Ilhazul, do mestre Osvaldo. Espero que ela também o “console”. Osvaldo que, a esta hora, deve se encontrar envolto na trama do segundo tomo do seu Cena Brasileira.
E, assim, dou por encerrada esta divagação novelesca.
— Espere aí, escrevinhador de Licânia, a questão permanece: como um punhal flamejante no início deste capítulo: “— E o Companheiro Acácio, por onde ele se enfiou, Clauder Arcanjo?”
Não vou dar cabimento a você, leitor, a novela é minha, fique logo sabendo, e seguirei no rumo que a mim, e somente a mim, melhor me convier.
— O escritor é um servidor do ledor. Estou certo ou não? — devolve-me um segundo leitor.
— Você está certo se se referir à sua prosa, seu metido de uma figa. Na minha novela, não. Nela mando eu! — devolvo-lhe, já com o sangue invadido pela tinta da discórdia.
— Não o sabia tão deselegante, Clauder Arcanjo! —intromete-se um terceiro leitor. — Eu que o julgava um legítimo Arcanjo — arremata, solene.
Nesse exato instante Nabuco entra no meu escritório a vituperar:
— Sh…. Shizzz… Sh… miau… miauuuu!…
O silêncio se interpôs entre nós, e mergulhamos no mar alto da reflexão. Não sei por que, uma sentença de Charles Baudelaire irrompe em minha mente: “E a verdade é que nisso, indigno companheiro de minha triste vida, tu te pareces ao público, a quem se deve oferecer não perfumes delicados, que o exasperam, mas imundícies cuidadosamente selecionadas”.
O bichano Nabuco, que antes agira como o Pacificador, partiu para cima de mim, como se tivesse decifrado os meus pensamentos:
— Shizzz… Sh… Shi… Fuz… shuii… Sh… mi…miau… miauuuu!…
Antes que eu fosse vítima da fúria de Nabuco, Acácio aparece na porta do escritório e, com apenas um leve movimento dos lábios, aquieta o furioso agressor.
— Tenha modos com os leitores e com os seus amigos, Clauder Arcanjo! Recorrer a uma passagem de “O cão e o frasco”, de O spleen de Paris, é muita provocação com o Nabuco, você há de convir — alertou-me o Companheiro Acácio.
— A questão… é que eu… eu… — quis continuar, porém fui invadido pela maré turva do remorso, e chorei.
O choro de um autor in progress — em plena concepção de uma novela, por mais banal que ela seja —põe água na fervura do ódio de qualquer personagem.
— Também, amigo Clauder, não é motivo para lágrimas. Pare logo com isso, enxugue o pranto e cuide de encerrar este capítulo. Nem todo dia é dia de pena; alguns, dignos de muita pena — concluiu Acácio, preocupado com o meu estado de nervos.
— Mi… miau… miiiauuu… — aparteou Nabuco, lambendo-me o rosto, a selar comigo a paz maior dos felinos.
O silêncio se interpôs entre nós, e mergulhamos no mar alto da reflexão.
— Você já usou essa sentença antes, escritor de araque. Seu enrolão!
— Quem falou isso? Apareça, se for capaz. Não se esconda, seu covarde de meia–tigela! — disparei, com o rosto novamente invadido pela discórdia literária.
— Encerre, agora, este capítulo. Hoje não é o seu dia de boa pena; mas, sim, um daqueles em que você é digno de pena — gritou-me Companheiro Acácio.
Sendo assim, dê-se por findo o capítulo. No entanto, eu voltarei.
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— Shizz… Miau… Fuzzi… Miauuu!… — protestou Nabuco.
— O que ele está a reclamar, Companheiro?
— Nada. Deixe pra lá, Nabuco apenas reclama do inapropriado título desta página: “E o Lau?”.
Quando peguei Nabuco pelo rabo e ia arremessando-o janela abaixo, o alerta de minha Biscuí interrompeu o meu gesto:
— Nem seja besta! Se você jogar o Nabuco, saiba que você irá junto!
O silêncio se interpôs entre nós, e…
Realmente, leitor, hoje é o meu dia de (ser digno) pena.