DO MUDANCISMO AOS DIAS DE HOJE

​​​No momento em que o País, pela sua representação política, se mobiliza com o objetivo de eleger o próximo presidente da República, faz-se necessário revisitar a história desse período, com vistas a examinar sua extensão, os avanços e/ou retrocessos políticos, econômicos e sociais, para que suas populações escolham entre a continuidade do modelo atual, ou mude a condução do seu futuro político e administrativo. Importa expressar, para continuidade desses comentários, o fato de que, neste mesmo ensejo, as unidades subnacionais discutem as postulações, também, para selecionar os futuros governadores dos Estados, muitos dos quais são liderados pelos mesmos grupos políticos, desde a redemocratização, conforme sucede com o Ceará.

Na nossa Unidade Federada, por exemplo, quando, em 1986, o então candidato Tasso Jereissati, apoiado por um grupo de empresários originários do Centro Industrial do Ceará – CIC, liderado à época pelos empresários Amarílio Macedo e Beni Veras (o segundo, posteriormente, se elegeu senador cearense), se propôs colocar-se como alternativa política ao retrato de governo vigente no Estado, teve que enfrentar, pelo menos, dois desafios.

Arrostou, de saída, a capilaridade político-eleitoral, constituída, à extensão dos anos, pelos coronéis César Cals, Adauto Bezerra e Virgílio Távora, que se revezavam no poder, desde antes da ditadura civil-militar inaugurada em 31 de março de 1964, com o primeiro governo do saudoso Virgílio Távora, apoiado na famosa União pelo Ceará, em 1962. A outra peleja, não menos relevante e de superação bem difícil, era formular um discurso e uma proposta que representassem o novo na maneira de governar, para executar um distinto padrão de se fazer política no Estado, ante uma prática clientelista, no modo e conteúdo, conhecida como coronelismo. Registre-se o fato de que esse era o molde que vigorava em quase toda a Nação, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.

Nessa contextura, impunha-se que se refletisse e formulasse um paradigma inédito no modo de governar o Ceará, e, para isso, mais um desafio seria promover aqui uma reengenharia política, no âmbito da qual o conceito de “mudança” fosse não somente bem explicitado, como, também, internalizado pela sociedade e pelos novos agentes recém chegados ao poder, de sorte a praticar modalidades diversas de administrar, na perspectiva de se criar uma mudança cultural em contraposição à política prevalente até então, direcionada, prioritariamente, para sua corriola.

A fim de que esses objetivos sobrassem alcançados, alterações substantivas nas relações político-institucionais foram implementadas com grande repercussão nos vários estratos da sociedade, com destaque para o relacionamento com a classe política e a imprensa, cuja convivência com o poder não era nada republicana. Ao passo que parte significativa desses setores era confrontada – e até alijada – do processo, de outra banda, distintos segmentos, tradicionalmente excluídos das discussões, foram paulatinamente chamados a participar, ainda que apenas para legitimar a social-democracia tucana em sua fase embrionária.

O exemplo mais bem acabado dessa ordem foi o movimento pró-mudanças, ainda no primeiro governo Tasso Jereissati, uma espécie de fórum permanente de debates dos interesses do Estado, no contexto do qual não só as entidades que faziam as vezes dos empresários estavam ali representadas e em continuas discussões em torno das políticas públicas em execução pelo Governo, assim como foi incentivada a criação de vários conselhos de participação popular, que exprimiam as sugestões e demandas das populações tradicionalmente excluídas.

Todas essas ações davam um claro indicativo das mudanças político- administrativas desse intervalo temporal, embora com características um tanto centralizadoras, e, até certo ponto, com um viés assemelhado ao “curriolismo”, de que nos fala Oliveira Viana, mas, na prática, evidenciavam-se o início de um modelo de governar diferente e o exercício de uma ação política, que transportaria o Estado, trinta e cinco anos depois, a um estádio de modernização e desenvolvimento observado nos dias atuais.

Os governos subsequentes à primeira fase, que ficou conhecida como mudancismo, tiveram o zelo, não só, de dar continuidade às políticas legadas pelos antecessores, evitando o desperdício dos parcos recursos de um componente regional pobre do depauperado Nordeste, como também demandaram aprimorá-las, com vistas a promover o “salto de qualidade” necessário para mudar o perfil econômico-social de sua população, com amparo na contínua busca de reduzir a pobreza e as desigualdades, especialmente aquelas na área do saber – estas, sim, configuradoras da maior penúria de uma sociedade.

Desse período, deve ser lembrada a aposta de dotar o Estado de uma estrutura de saúde que permitisse a redução dos índices de mortalidade infantil. Em 1980, o Ceará ostentava o vergonhoso terceiro pior indicativo de mortalidade entre os recém-nascidos, com 111,5 crianças em cada mil vindas ao mundo. (Ficava atrás apenas de Alagoas, com 111,6, e da Paraíba, com 111,7). Na área educacional, a universalização da matrícula foi o primeiro passo, seguido de investimentos continuados na educação pelos governos da era pós-mudanças, com vistas a viabilizar a criação do exemplar de escolas de tempo integral, em vigor na realidade em curso, com o objetivo de se alcançar a melhoria na qualidade do ensino, permitindo que hoje o Ceará registre os melhores lugares nesse ranque em todo o País. São esses alguns dos resultados dessa modalidade de governar, ora conduzida pelo governador Camilo Santana.

Para possibilitar mencionados avanços, o atual Governador inovou na maneira de se relacionar com as universidades, até então excluídas da participação na Gestão pública. Sabe-se, de sobejo – principalmente as pessoas mais atiladas social e politicamente – que, na Administração estadual de hoje, a maioria das políticas se baseia em evidências. Objetivando a melhor qualificar suas políticas, por conseguinte, o Governo, por intermédio da FUNCAP – Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, dirigida pelo professor doutor Tarcísio Haroldo Cavalcante Pequeno, convidou um grupo de docentes doutores, que investigam nas diversas áreas das ciências, e criou, com eles, o programa Cientista Chefe, cujo desafio é desenvolver experimentos em suas respectivas áreas do conhecimento, com fins específicos para que sejam aplicados na melhoria das políticas desenvolvidas e em execução na fluente Administração. De tão eficiente no desenvolvimento de demandas científicas aplicadas nas diversas políticas em execução no atual Governo, o programa Cientista Chefe já despertou o interesse do Chile, resultando na assinatura de um acordo de cooperação científico-técnica entre os Governos do Ceará e do mencionado Estado sul-americano. Aguardemos, pois, os prognósticos, extremando à certeza, de suas boas consequências!

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Arnaldo Santos

Arnaldo Santos é jornalista, sociólogo, doutor em Ciencia Política, pela Universidade Nova de Lisboa. É pesquisador do Laboratório de Estudos da Pobreza – LEP/CAEN/UFC, e do Observatório do Federalismo Brasileiro. Como sociólogo e pesquisador da história política do Ceará, publicou vários livros na área de política, e de economia, dentre eles - Mudancismo e Social Democracia - Impeachment, Ascenção e Queda de um Presidente - sobre o ex-Presidente Collor, em 2010, pela Cia. do Livro. - Micro Crédito e Desenvolvimento Regional, - BNB – 60 Anos de Desenvolvimento - Esses dois últimos, em co-autoria com Francisco Goes. ​Arnaldo Santos é membro da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo – ACLJ, e da Sociedade Internacional de História do século XVIII com sede em Lisboa.

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Arnaldo Santos é jornalista, sociólogo, doutor em Ciencia Política, pela Universidade Nova de Lisboa. É pesquisador do Laboratório de Estudos da Pobreza – LEP/CAEN/UFC, e do Observatório do Federalismo Brasileiro. Como sociólogo e pesquisador da história política do Ceará, publicou vários livros na área de política, e de economia, dentre eles - Mudancismo e Social Democracia - Impeachment, Ascenção e Queda de um Presidente - sobre o ex-Presidente Collor, em 2010, pela Cia. do Livro. - Micro Crédito e Desenvolvimento Regional, - BNB – 60 Anos de Desenvolvimento - Esses dois últimos, em co-autoria com Francisco Goes. ​Arnaldo Santos é membro da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo – ACLJ, e da Sociedade Internacional de História do século XVIII com sede em Lisboa.

1 comentário

  1. Pedro Gurjão, Escritor, Jornalista.

    Brilhante artigo do sempre brilhante Jornalista e Doutor em Ciências Políticas, Arnaldo Santos. Congratulo-me com a equipe do Jornal Segunda Opinião.