A divisão entre Bolsonaro e Moro, ao contrário do que imagina a maioria das pessoas, e principalmente a esquerda brasileira, não foi algo tão ruim assim para os tais extremistas. Foi uma operação matemática onde a divisão em vez de fracionar, fez acrescer ou no mínimo somar forças no embate político social nacional. Há algum tempo escrevi um texto sobre a partida de xadrez que é o Brasil atual, este é um capítulo à parte onde observaremos a disputa ocorrida entre o rei e a rainha de um mesmo time.
Bolsonaro se elegeu com a maioria dos votos válidos, fato. Quem votou nele? Uma legião de pessoas influenciadas pelo espírito conservador autoritário, alimentado por partes de igrejas católicas e templos evangélicos, seguidores ultraconservadores brancos e patriarcais e gananciosos oportunistas capazes de qualquer negócio para se beneficiarem de maneira lícita ou ilícita. Todos estes citados acima somam os famosos “trinta por cento”, é o capital eleitoral aglutinado ao redor do pensamento de extrema direita no Brasil. No entanto, apenas estes não conseguiriam fazer um candidato presidente, era necessária uma outra grande parte da sociedade. E como ela se inclinou ao Bolsonarismo?
A outra parte da sociedade votante ativa também tem suas divisões, o Partido dos Trabalhadores consegue reunir ao seu redor outros “trinta por cento” dos votos, isso sempre se alardeou à representatividade do seu ex-presidente Lula. No entanto, esta massa, assim como a da extrema direita, se move de maneira dinâmica e independente das suas principais figuras representativas. Notem, não faço juízo de valor e nem as coloco como semelhantes, nem mesmo seus representantes. Apenas constato o fato de que coexistem estas forças eleitorais e que já atingiram o patamar de independência. Sua força não está exclusivamente na pessoa que os representa, muito pelo contrário, se encontra nas ideias destes que alguém irá representar.
Neste sentido, a extrema direita avança de maneira galopante, mesmo que aparentemente pareça o oposto, mesmo que suas atuais lideranças “Sérgio e Jair” não compreendam isso a ajam aleatoriamente ou apenas percebam que a batalha primeira é a interna entre eles. Quando falo sobre o imbróglio ter menos dividido e mais aglutinado é porque há um outro campo de eleitores, ainda não mencionados neste texto, mas fundamental para alguém chegar ao poder. Muitos os chamam de pessoas de centro, mas tal nomenclatura é bastante genérica para um grupo tão diverso.
Os outros “trinta por cento” de eleitores brasileiros são a maioria do povo, pois, além dos votantes na última eleição que acabaram se direcionando para um lado ou outro, podemos acrescentar a estes o grande público que não foi às urnas. Tal público, erroneamente chamado de pessoas ao centro, é uma miscelânea que envolve desde pessoas à esquerda discordantes do ideário petista, pessoas à direita vinculadas a partidos como DEM, PSDB e outros com um cunho mais liberal, pessoas descrentes da política partidária, pessoas desinformadas e fáceis de manipulação, entre outros.
Na última eleição presidencial esta massa heterogênea se inclinou a uma bandeira, importante para qualquer país, a do fim da corrupção. Obviamente a corrupção é um câncer que macula a sociedade brasileira e está engendrada nos mais distantes rincões da nação, não poderia ficar de fora do Planalto Central. É uma espécie de ideário cultural assumido pelo “povo brasileiro”, que com ela vive uma relação de amor e ódio. Odeia a corrupção praticado pelo outro, mas no mínimo tergiversa quando tal corrupção tem como beneficiária a própria pessoa ou os seus pares.
Esta bandeira pelo fim da corrupção teve seu ápice no embate “Lula X Moro” e de lá em diante uma nova ordem começou a circular pelo país. Podemos dizer que existe um país antes da Lava Jato e outro depois. A Lava Jato foi, escrevo no passado porque desde a eleição de 2018 quase nada tem sido feito, uma operação de início policial, mas de meio e fim políticos e funcionou como um elemento catártico ao povo brasileiro. Apoiar a operação era ser um bandeirante desbravando o país, mesmo que de maneira sanguinária, na direção do desenvolvimento.
O que não se poderia imaginar é que a imprensa brasileira e as artimanhas políticas de um juiz o levariam a ser o representante maior de tal bandeira. Ora, senhores, se ao juiz cabe o papel da neutralidade e do juízo imparcial de casos, por que então ele se tornaria o protagonista e não os policiais investigadores, os procuradores que ofereceram e defenderam as denúncias com tanta fúria? Por que um juiz, de primeira instância se tornaria o maior representante da bandeira anticorrupção no país?
A resposta parece simples depois da obtenção e apresentação das conversas existentes entre a equipe de policiais investigadores, procuradores e o juiz, realizadas pelo site The Intercept Brasil. Havia um conluio, uma manipulação de investigação policial para cunho político, para o surgimento de uma nova força nos palanques eleitorais, estava ali iniciado o levante do grupo que denomino como justiceiros. Seu nome mais representativo, Sérgio Moro, o descumpridor da constituição.
É difícil saber dizer se este grupo surgiu com o intento de destruir o PT, se desde o início eram extremistas, se são liberais ou oportunistas. Perceptível mesmo é que tal grupo ocupou espaço e ganhou corpo entre os eleitores brasileiros. Neste ínterim, a imprensa e as grandes mídias, em sua maioria, cumpriram o papel de sacralização de tais figuras. Romantizaram a operação e cegaram a população à realidade dos fatos, assim como cego era Quixote à realidade que vivia. Ainda hoje ouvimos notícias sobre a novela de cavalaria do super-herói Sérgio.
Uma espécie de hipnotização permanente pairou sobre o país e fortaleceu o aparecimento de um ser “iluminado”. O enviado seria o único capaz de provocar o grande embate e enterrar de vez o que ficou apresentado como símbolo da corrupção nacional, o petismo. Assim, Moro contribui decisivamente na migração de votos para Bolsonaro, que representava o antagonismo total ao PT, aliás, ao mundo democrático, mas isso pouco importaria nesta guerra. Eleito, Jair, em um sinal de gratidão, promove seu principal cabo eleitoral ao status de super ministro.
A junção da bandeira anticorrupção capitaneada por Moro com o grupo de trinta por cento aglutinados a Bolsonaro o levou a eleição. Moro foi abraçado pelo público bolsonariano como um dos seus. Não poderia ser diferente, ele é um deles. E os “anticorrupção” também se entrelaçaram às bandeiras defendidas pelos extremistas da direita. Não houve simbiose, mas, no mínimo, todos conseguiram se acomodar de maneira confortável no mesmo quarto. Enquanto a novela durasse todos estariam juntos, mas, um dia, como tudo na vida, as coisas terminam, a novela também.
O momento que estamos passando é o fim de uma novela, uns acham que durou pouco, mas olhando bem para os dois personagens principais, penso que durou além da conta. Aliás, uma novela um tanto quanto estranha, pela primeira vez há dois vilões para uns e dois super-heróis para outros, vai depender do ponto de vista e da abordagem. Sobre a possibilidade de serem dois vilões, no futuro escreverei sobre isso, até porque é como compreendo tais figuras. Todavia vou lhes colocar no papel dos mocinhos que salvam as donzelas e o mundo. É aí que moram o perigo e o avanço da extrema direita.
A saída de Moro do poder não representa perda para ele, o mesmo teve quase nada de sua imagem arranhada. Ainda mais quando a imprensa e grandes mídias, para combater seu principal inimigo (inimigo do país neste momento), reelege Moro como um grande homem incorruptível. O paladino sai fortalecido mesmo que sem partido ou cargo público. A grande perda de Moro é ficar fora dos holofotes, deixar de ser aquele que, não com palavras, mas com atos aplica a defesa de um país sem “politicagem”. Notem, não estou fazendo aqui juízo de valor, se ele realmente fazia isso ou se para chegar ao objetivo seus métodos de atuação eram aceitáveis, simplesmente me atenho ao fato acontecido.
Moro irá trilhar seu caminho para 2022 sendo combativo a Bolsonaro, mas ao mesmo tempo acenando para os seus eleitores, os tais radicais. Irá sorrateiramente se engendrar no jogo político, talvez ancorado em algum outsider, Luciano é uma possibilidade. Ou tentará se manter próximo a partidos como DEM, PSL e correlatos, os pseudo liberais. Se Moro e Bolsonaro forem candidatos em 2022, se chegarmos até lá, Bolsonaro estará com sua base mantida. Muito embora algumas perdas acabarão ocorrendo devido aos inúmeros atos estúpidos do presidente, Moro provavelmente será o destino destes insatisfeitos.
O cenário provável para 2022 é um novo embate entre uma esquerda ancorada no partido dos trabalhadores e uma extrema direita aliada ao antipetismo. Se comprovada a corrupção de Bolsonaro e família, o presidente sairá com a imagem manchada, mas Moro, ao contrário, não. Logo, ao entender que Bolsonaro não conseguirá aglutinar público bastante para a eleição, sua base deverá migrar para o ex-ministro, já que para este grupo o único objetivo é derrotar o tal comunismo globalizante.
Esta divisão entre presidente e ex-ministro, aparentemente configura uma derrota dupla, todavia pode ser o caminho para uma encorpada massa com cada uma defendendo o seu líder e ofuscando o papel de outras lideranças, inclusive da esquerda. Enquanto Bolsonaro utilizará a máquina pública para manter os seus, Moro utilizará a imprensa, já aliada de outros momentos, para formar sua base de apoio. Ambas rivalizarão entre si, mas as duas têm os mesmos objetivos, o enfraquecimento do estado democrático e de direitos, a presença de um autoritário justiceiro no poder e o aniquilamento das forças opositoras de esquerda.
O jogo continuará acontecendo, mas nesta partida de xadrez é difícil saber o movimento seguinte dos jogadores. Ainda mais quando time da extrema direita pratica algo inusitado, a guerra contra si. Façam suas apostas!