DIREITO E LEGITIMIDADE

A relação entre direito e política pode ser encarada como uma dinâmica circular; sem uma anterioridade lógica concernente a legitimação de um pelo outro destes fatores (Norberto Bobbio, 1909 – 2004, “Teoria geral da política”). O Direito precisa ser reconhecido pela política e a política não tem legitimidade sem o Direito. Poderíamos acrescentar: certos aspectos do Direito podem ser considerados como o imperativo categórico (Immanuel Kant, 1724 – 1804, na obra “Fundamento da metafísica dos costumes). Assim estaríamos nos colocando além do historicismo e do antropocentrismo do juspositivismo.

Considerar o direito natural como anterior à política, na lógica da legitimação, é ignorar os aspectos puramente técnicos do Direito e é um debate próprio da zetética, onde as discussões são intermináveis e invocam a subjetividade das convicções inafastáveis do Direito e da política. É aí que o direito legitima a política e no curso da função  legiferante,  atividade política por excelência. Mas as convicções são controversas. A reflexão filosófica não precisa ter fim, ser aceita por todos ou dirimir conflitos. O Direito, mormente no campo processual, precisa chegar a uma conclusão e pacificar litígios. Jusnaturalistas ou juspositivistas, precisamos oficializar referências pelas quais as pendengas sejam solucionadas.

Reconheçamos a política como fonte de legitimação do ordenamento jurídico, diversamente dos regimes teocráticos; reconheçamos o Direito como legitimação da política, sob pena de consagrarmos o absolutismo. A legitimação circular entre Direito e política, sem uma anterioridade lógica entre ambos é consistente. Lembra a síntese dos contrários, da dialética de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831).

O direito natural é invocado como fundamento do Estado do bem-estar. Mas diversamente do direito sinalagmático, não tem a exigibilidade contra terceiros(obrigação de fazer). Propõe direitos potestativos. Impõe a todos o respeito a certos valores e interesses. Proíbe que se obstaculize a fruição de certos bens jurídicos. Não é patrocínio. Todo homem tem direito a uma companheira (não é bom que o homem esteja só, Gênesis, 2; 18). Mas nenhuma mulher é obrigada a satisfazer tal direito, nem o Estado.

Garantir o desfrute dos direitos de segunda geração via patrocínio do Estado é estatizar a solidariedade e as obrigações morais. Permite a confortável sensação de ser virtuoso sem nenhum ônus. O distributivismo fiscal é pensado para redistribuir a renda dos outros. Quem queira distribuir a própria riqueza não precisa da intervenção do Estado para tanto.

Obrigação de fazer confere poder ao obrigado. O leviatã obrigado a tudo, tudo pode. “Quem come do meu pirão apanha do meu cinturão”, diz o provérbio. Saúde como direito de todos e dever do Estado faculta ao Leviatã controlar o consumo de açúcar, sal, gorduras, tabagismo, álcool, expropriar bens. Há até “críticos” do socialismo (sem saber que assimilaram ideias desta corrente) que consideram ganhos de um executivo de uma empresa, recebendo, digamos, salário de quinhentos mil reais, uma imoralidade. Trata-se de visão equivocada sobre justiça e evolução histórica do bem-estar (Friedrich August von Hayek, 1899 – 1992).

A reserva do possível é negligenciada pelos arautos do welfare state que invocam John Maynard Keynes (1883 – 1946). O famoso economista respondeu, sem nenhum rubor na face, quando indagado sobre o endividamento do Estado, que a longo prazo todos estaremos mortos.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.