Dimas Macedo, o poeta menino dos cristais de sonhos

O menino do Cariri, que visitou o território do imaginário e viu seu pai tirar cristais de sonhos de lugares improváveis, sabia desde sempre sua determinação. Abraçou-se com o destino que quis zombar dos seus primeiros anos de vida na escola, tornou-se jurista e escritor. Quando quer, é editor, e, sempre, um professor. Mas foi com a literatura e a poesia que o poeta se casou.

Para quem conhece uma das maiores personalidades do Ceará – Dimas Macedo, sabe que ele é, antes de tudo, a sequência de uma progressiva e legítima evolução de artistas- poetas. “Eu jamais poderia ultrapassar Lobo Manso”, diz o escritor sobre o seu avô, “pois não tenho nem metade de sua ousadia de poeta”.  Ele se refere ao bardo popularAntônio Lobo de Macedo, conhecido por Lobo Manso, um trovador que escreveu, entre outras coisas, clássicos da literatura de cordel, como é o caso de Poesias Contra os Profetas e as Profecias da Chuva e O Garrote Misterioso.

Eu nasci num sítio a nove quilômetros da cidade de Lavras da Mangabeira, chamado Calabaço, em alusão aos índios Kalabaças, habitantes da margem esquerda do Rio Salgado, região do Cariri. Sou caririense de quatrocentos anos”.

Seus ancestrais, os tangedores de gado, desde o Rio São Francisco, chegaram na região do Cariri no final do século 17 para início do século 18. “Eu sou descendente dessa civilização, e o sítio onde nasci, o Calabaço, foi o último núcleo de resistência dos índios Kalabaças, que lutaram contra a invasão dos colonizadores e do exército colonial que dizimou diversas tribos pertencente à Nação Kariri, naquele Munícipio”.

Para escapar da devastação da seca que ocorreu no final da década de 1950, seu pai, o poeta popular Zito Lobo, mudou- se com a família para a cidade de Lavras. No inverno seguinte, Zito Lobo comprou um sítio de nome Cajueiro, próximo da cidade, e foi lá onde conseguiu tirar cristais de sonho para alimentar a família.

Cristais de sonhos é você sonhar com a tragédia e a devastação da pobreza e pegar uma enxada e uma roçadeira e garimpar o chão para tirar legumes, feijão, milho, criar galinhas, porquinhos, duas ou três vaquinhas de leite e fazer caldinho com angu para alimentar os filhos”.

Do sítio Cajueiro, as lembranças são infinitas. A saudade da mãe que morreu ainda jovem, as histórias do pai e das muitas coisas que ainda devem ser escritas. “Eu ia para a escola montado num jumento. Eu vendia leite de porta em porta, na cidade de em Lavras, para ajudar na economia familiar”.

Depois de algum tempo, Dimas Macedo teve um grave problema de saúde que deixou para sempre lesões em suas mãos. Ainda muito jovem, sofreu o fenômeno da rejeição e passou dois anos sem frequentar a escola.

O futuro poeta sonhava com a claridade das luzes da escritura e não podia fazer nada por conta das mãos afetadas pela doença. É fácil compreender porque ele se considera um herói: “Esses sacrifícios deram ao meu espírito um temperamento algo nervoso, o desejo de ser feliz e o impulso da criação… E eu me orgulho de carregar essas marcas da infância, de querer estudar e não poder, de sonhar e não saber o que fazer com o sonho. Mas ali eu já sabia que eu tinha uma missão. Algo me dizia que eu não seria um puxador de enxada”.

Dimas foi adiante, na estrada e na história:

Eu não sei para onde vou e nem me interessa. O que eu quero é caminhar, para a dor interna diminuir e eu sustentar a tensão de ser um artista, de ser um pensador”.

Em que outra época gostaria de ter vivido?  “A década que vivi com muita intensidade foi a década de 1990. Foi a época do meu grande salto na literatura, quando me tornei crítico literário e fiquei nacionalmente conhecido. Essa foi uma época de que gostei imensamente, um período rico. Publiquei dois livros centrais da minha poesia: Estrela de Pedra (1994) e Liturgia do Caos (1996). Hoje, para se escrever a história literária do Ceará desse período, acho que será preciso consultar o acervo que eu deixei. Neste momento, eu estou numa fase de travessia, eu não sei para onde vou e nem me interessa. O que eu quero é caminhar, para a dor interna diminuir e eu sustentar a tensão de ser o artista que sou, de ser o pensador que sou”.

A palavra que eu mais gosto é: Amor. Pode parecer uma coisa banal, mas eu estou falando do amor autêntico, dessa força que move montanhas, que é superior aos organismos vivos.  Essa força imaterial do planeta que você leva no coração e que é capaz de destruir todos os exércitos. Ódio é a palavra que eu não gosto e não sei como ela se conjuga no coração de um ser humano. Eu não consigo entendê-lo em qualquer plano. O máximo que posso sentir pelas pessoas que amo, é raiva, mas, às vezes, isso acontece somente para corrigir a energia do sangue.

Um filme para ver de novo. Os filmes de Akira Kurosawa.

Politicamente, eu sou um militante político, decepcionado com o fracasso da esquerda e com a alienação dos seus ideais, trocados pelos valores do Capitalismo e da corrupção. Um militante político desiludido, mas que acredita no triunfo da Democracia e nas garantias da Constituição. O que me entristece é ver a minha geração, a geração de políticos cearenses que beiram a casa dos 60 anos, totalmente derrotada, pois perderam a perspectiva do sonho. Aliás, sobrou talvez a dignidade de Maria Luíza Fontenelle. Mas, ainda assim, sou um cidadão que continua confiando na Política e no seu poder de regeneração e de superação das desigualdades sociais. Sem a Política, não podemos pensar na Paz, nem na Tolerância.

Eu ressuscitaria Albert Camus.

O livro que já li várias vezes foi O Estrangeiro, de Albert Camus. Eu sou o personagem existencialista deste romance. Sou a reprodução dele e a reprodução moral e poética do meu avô Lobo Manso, dois personagens que povoam a minha constituição cultural e psicológica.

Eu me acalmo com o silêncio, o sexo e o recolhimento.

Eu me irrito com a estupidez, com a imbecilidade. Às vezes, me calo porque não tenho paciência para viver fora da lucidez.

A emoção que me domina: a emoção que a leitura proporciona, o amor vivo e correspondido pela mulher amada. E a emoção de viajar, quando eu mudo um pouco de persona.

Um dia ainda vou fugir e ficar inacessível.

Existem heróis?  A história está cheia de heróis, principalmente os que tiveram Fé e Esperança em seus projetos existenciais. Meu pai foi um desses heróis. Ele lutou a vida toda contra a morte e a desesperança, sustentou a família com o exemplo imortal da dignidade e com uma fé descomunal que me deixou de herança.

Religião:  eu tenho uma fé que me sustenta. Mesmo vivendo para além da Religião, sou fascinado pela Teologia e tenho muitos exemplos de parábolas que gosto de repetir e de escrever sobre elas.

Dinheiro é para gastar, numa relação de equilíbrio.

A vida é um rio, indiscutivelmente. Viver é saber remar contra a maré. O perigo não está fora das prisões que escolhemos para viver ou sucumbir, mas no âmbito daquilo que guardamos e temos medo de partilhar até com quem escuta o nosso coração.

Se eu tivesse o poder, eu mudaria a imbecilidade das pessoas.

Eu gostaria de ser Dimas Macedo. Quero ser eu, eternamente. Por dinheiro, eu não me trocaria. E nem por nenhum gênio da arte. Eu quero mais é que eles sejam quem são para que eu possa admirá-los, para que eu possa ser mais fã das suas criações geniais.

Não perco uma oportunidade de ajudar o próximo. Tenho a virtude da bondade, mas o que faço pelos outros eu faço em silêncio.

A solidão e o silêncio: Dimas é um cavaleiro solitário que tem muito amor. O produtor de arte, para ele, tem por temperamento a solidão. Ele escreve para esquecer a infância, para esquecer os seus mortos, as dores da alma e para continuar vivo. “A Literatura e a Existência para mim são a mesma coisa. E eu não faria questão de viver se não existisse a Literatura, e esta é a ausência que eu busco todos os dias, é a busca infinita da alma”.

O Brasil é uma Nação que trago dentro da minha alma, é o meu País a que jamais renunciarei, pois eu o amo profundamente.  Sua bonita história de luta ainda não foi escrita. O que até aqui se contou foi ditado pela elite, foi muito bem escrito pelos acadêmicos… No Brasil, a elite sempre pisou no povo e o presidente Lula, que veio do povo, se vendeu ao Capitalismo internacional. Não fez as reformas de que o Brasil precisava. E ele tinha legitimidade para fazer as reformas

O ser humano está na pior travessia de todas as civilizações já vividas, porque houve, nesta civilização, uma grande brincadeira com a Ciência e a Tecnologia, com os segredos que entretêm e que iludem a vida humana – destruíram a imagem de Deus, seja ele quem for, destruíram os segredos de todos os padrões estabelecidos. Particularmente, eu acredito no ser humano, só que vivemos um momento de apogeu e de miséria, e este é um momento de miséria.

Eu sou um ser humano feito de palavras e atravessado por uma crise existencial que não para de pulsar. Sou um escritor, apenas isto. Incompreendido, desamparado e amante da solidão e do silêncio. Uma pessoa simples, cheia de esperanças e detentora de uma fé inabalável. Minha mensagem é que o amor é o princípio de tudo, e que o perdão nos torna mais humanos e nos ajuda a viver em paz com os nossos semelhantes. Eu sou ainda, em larga medida, o que uma jornalista escreveu na minha página, sou “o mar que derrama”, eu sou carnal e resoluto. Sexo, como eu já falei, é uma das coisas que me mantêm vivo. O sexo ou a morte, quando estão abraçados, um dos dois tem que morrer… isso é que está faltando no mundo, o elemento do sangue, essa tua emoção de agora, a palavra presa na garganta…

O filho de Zito Lobo tem 50 livros publicados, mais de 200 prefácios pelo Brasil. Editor, crítico literário, designer gráfico ou o que mais ele quiser ser. É o responsável pela introdução de Patativa do Assaré na literatura cearense. “Não se escreve a História da Literatura recente do Ceará sem ver o que Dimas Macedo escreveu sobre toda uma geração”, assim constata o professor Sânzio de Azevedo.

Dimas Macedo escreveu sobre o Grupo Clã, sobre Moreira Campos, Juvenal Galeno, Patativa do Assaré. Quando escreveu sobre este último, chegou a indagar para si mesmo: “o que vão fazer com Patativa do Assaré? Vão jogar no lixo a sua produção? ”. Por três vezes, Dimas o encontrou: primeiro, nas Chuvas de Poesia de 1982/83. “A gente jogava poemas do alto dos edifícios, na Praça do Ferreira”; a segunda vez, foi na campanha das Diretas Já e na campanha da Anistia; a terceira, a residência do poeta, em Assaré.

Nos dois primeiros momentos, Dimas estava no miolo desses Movimentos, como militante político e, fundamentalmente, no cento do Movimento pela Constituinte. “Eu escrevi uma tese sobre a evolução constitucional no Brasil, a partir da visão marxista. Esse livro muito me orgulha, e eu me orgulho, por nunca ter escrito para agradar. Sempre fui da contramão, sou da contramão e assim terminarei meus dias, na contramão”.

Foram três meses de flertes e cafés-encontros, até que o neto de Lobo Manso (1888-1960), o singular poeta Dimas Macedo, escolhesse um caminho ligeiramente diferente para a condução da entrevista.

Seguindo em direção ao Porto das Dunas e Prainha, fez o trajeto determinado em sua mente, enquanto dava “aula de história”, entre uma fala e outra, explicava coisas pela estrada: “Tá vendo aquele cenário (apontou para um lado do caminho)? É a casa de Ana Miranda, um belo refúgio”. As palavras do poeta, buscaram imediatamente, na minha memória, trechos de seu poema “Paisagem”, dedicado à Prainha:

. Porque me encantas assim tão facilmente/ com teus minérios de vento sobre a areia? // Essas casinhas brancas sobre as ondas/ esses lajedos de pedras purpurinas…/Aqui o sol comanda a minha vida/Aqui as velas do amor me dizem tudo…/ Talvez o amor me abrace nessas dunas. / Talvez a paz, aqui, me reconheça…

Eu não sei bem o que falei, mas sei que vivi uma bela experiência, brincou o “menino dos cristais de sonhos” ao final da entrevista.

Heliana Querino

Heliana Querino Jornalista

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Heliana Querino

Heliana Querino Jornalista

1 comentário

  1. Marcos Abreu

    Conheço o Dimas Macedo, e sei que ele é muito mais que isso, porém sou um poeta e escritor sempre perseguido pelas as elites, que não deixam eu publicar as minhas obras, pois por não ter dinheiro, escrevo para a posteridade.