Diário de uma vítima

Sol nasce, despertador toca, acordo para mais um dia comum, me arrumo para o trabalho e penso em uma roupa confortável, mas que não seja tão leve e fácil de tirar, não pode ser saia pra não correr o risco de um cara passar a mão ou tirar uma foto da minha calcinha. Pego um jeans e um tênis, corro para a parada. Ônibus lotado e eu só consigo pensar em me esquivar dos homens que passam se esfregando em mim, suspiro de alívio quando surge uma cadeira vazia.
A tarde vou pra academia, coloco o meu fone de ouvido e música pra não precisar ouvir as  cantadas na rua, de longe vejo um grupo de homens na calçada, desvio, vou por outro lado, fingo que não os vejo. Os olhares me acompanham, devoram, incomodam, as piadas me agridem, violam, enojam. Em alguns momentos desejei não ser vista, ser invisível, não ser mulher. Em outros desejo responder, gritar, xingar, mas temo pela minha vida, não sei quem é o assediador, e se ele me seguir? Se ele me bater? E se me estuprar? Seria melhor calar, melhor fingir que não é comigo? E assim vou vivendo, num misto de medo e revolta, de vergonha e vingança, e apesar de ser vítima não posso me vitimizar, não posso consentir, não posso silenciar, é preciso ter coragem, força e sangue frio pra dar a cara a tapa e não se curvar diante do machismo, da misoginia e da cultura do estrupo. Eu e tu mulher, Marianas e Julias e Cristinas, mulheres, unamos forças contra aqueles que querem nos ver quietas, submissas enquanto nos ferem e nos matam. Não vamos aceitar, não vamos deixar passar em branco, vamos pressionar, vamos nos posicionar para que o respeito e a justiça que já são nossos por direito sejam cumpridos, pois já somos mulheres há tanto tempo que seria estupidez não estar do nosso próprio lado.







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