Quando se pensa a vida concreta em coletividade, algumas indagações pairam no ar: qual o verdadeiro valor da pessoa nas cidades? Ela vale por aquilo que é ou por aquilo que possui? Na vida das cidades existem pessoas que valem mais que outras? O valor delas varia de acordo com o seu “peso” social, político e econômico que têm? Cidadãs e cidadãos têm as mesmas oportunidades para o pleno exercício de sua cidadania? Sua dignidade é reconhecida plenamente? E lhes são distribuídos de forma justa e equânime os bens produzidos socialmente?
Estas indagações indicam uma questão fundamental das democracias contemporâneas: sua intrínseca relação com a justiça social. Por ser uma construção real, a democracia não é abstrata, não podendo apenas ser compreendida como um regime no qual está garantida a liberdade de escolha pela população de seus governantes. Muito mais do que isso, a democracia deve ser um pacto social no qual se pode construir historicamente uma sociedade justa, na qual a consciência do bem comum deve ser sempre mais aprofundada, a fim de se atingir uma maior satisfação das necessidades básicas humanas.
Essas necessidades são de caráter universal e abrangem o que é indispensável para que as pessoas possam viver e participar como sujeitos da sociedade. Elas são constituídas por aquilo que precisa ser satisfeito para assegurar a saúde integral e a possibilidade de decisão sobre o que pode interferir em suas vidas. Afinal, os gregos entendiam como felicidade comum o conjunto das condições da vida das cidades-estados que permitiam a todos os seus cidadãos atingir a plena felicidade.
Para realizar a construção do bem comum de todos – e não apenas de alguns – é preciso denunciar também as injustiças visando à sua superação. E neste sentido, a participação popular é de fundamental importância, pela vigilância que pode exercer nos procedimentos dos gestores municipais, estaduais e federais, tendo em vista, entre outras questões, a realização efetiva das políticas públicas como também a aplicação correta das verbas orçamentárias.
O pensador político argentino Guillermo O’Donnel lembra que num país onde existe uma condição difusa de pobreza (como no caso Brasil pós-Golpe de 2016), esta situação afeta a condição das pessoas, não apenas no campo econômico, privando-as do exercício pleno de sua cidadania autônoma. Por isso há algo de moralmente e empiricamente errado quando se concebe a democracia apenas como um sistema autorizativo em eleições, desobrigando-a do enfrentamento desses obstáculos socialmente determinados. E se essas misérias não forem enfrentadas de forma decidida, será a própria democracia a ser ameaçada em sua existência.
As liberdades formais são insuficientes. Há a necessidade de políticas destinadas à equalização de modo que os sujeitos atingidos diretamente pela estrutura de injustiça social – trabalhadores, camponeses, mulheres, população negra, entre outros – possam ter chances reais de exercer seus direitos de fato. E como se sabe, no Brasil, a extensão dos direitos civis, econômicos, sociais e culturais a todos os seus cidadãos é bastante incompleta e desproporcional, uma vez que a aplicação discricionária e excessivamente severa da Lei aos fracos torna-se num eficiente meio de opressão, opostamente, a classe economicamente dominante usufrui de privilégios e isenção no cumprimento da Lei. Como afirmava um importante empresário argentino: “ser poderoso é ter impunidade”.
A justiça social é a estrutura básica da sociedade, é a maneira pela qual as instituições distribuem direitos e deveres dos cidadãos, juntamente com a divisão da riqueza produzida socialmente. Cada pessoa possui uma inviolabilidade na justiça social: seus direitos não podem estar sujeitos a negociações de interesses econômicos das grandes corporações privadas. Eis uma das grandes razões da existência do Estado Democrático de Direito: a defesa da inviolabilidade e da dignidade humana diante da força arrasadora do Capital que visa apenas seus interesses lucrativos. Democratizar a vida da cidade significa torna-la mais justa para todos, priorizando a atenção e as políticas públicas para quem dela mais necessita.