Na place de la Prefecture de Police, a algumas quadras da Gare”, a estação de trens, ficava o pequeno hotel Chateaud’un. Corria o ano de 1971 na cidade de Tours.
A estrade de ferro levava à Paris e a todos os caminhos do Hexágono e das suas vizinhanças. Os chemins de fer, na Europa, conduzem a todos os lugares, atravessam cidades e pequenos povoados e voam pelas planícies centrais até chegar ao Mediterrâneo.
A Europa, como hoje a conhecemos, desde os caminhos da “Estrada da Seda”, é uma construção do trem. Foram as via férreas que ligaram as cidades e os espaços vazios ainda por ocupar. Entre os trilhos, disseminaram-se pequenos Burgos e as cidades históricas ganharam modernidade e expressão econômica e política.
Os livros, sementes que fizeram germinar conhecimentos e ideias ao longo das suas paragens, chegaram àquelas instâncias milenares — de trem. O progresso e os impulsos civilizatórios, também.
No velho hotel, naquela praça que lembrava o mundo por descobrir, passei um inverno desafiador para as gentes dos trópicos, como eu. Da pequena janela envidraçada, em uma edificação centenário, mal divisava o outro lado da rua. Quantas vezes me terão ocorrido aqueles versos de Vinicius, da “Pátria Minha”, a “patriazinha” de todos os afetos de quem está longe da sua proteção ?
Na rotina dos dias e das noites intermináveis, recém-chegado, tinha como proteção e suave inspiração, um Bordeaux “ordinaire”, tipo “Postillon”, o mais barato dos “rouges”, pão e o alento das novas descobertas longamente esperadas, para as quais fui despertado por Stênio Lopes, José de Sousa Cavalcante, Milton Dias, François Vilespy, Feydel, Goddard…
Quem eram eles? Os meus aliciadores para a língua francesa, no colégio, na Aliance Française e na Universidade. Professores de verdade, envolventes e motivadores. São parte de uma memória cuidada com muita estima pelo “francófilo” que fui pelos anos de filiação emocional à velha Lutécia.
Voltei muitas vezes àquela cidade acolhedora, na compsnhia de Zuleide, ao encontro de amigos, marcados pelo tempo, como eu, sobrevivem ao sopro incômodo da modernidade “posverité”… Vivem,quase todos, em “retraite”, na mesma cidade, nas mesmas casas familiares, entregues a sustas manias e velhos hábitos, pois intelectual não se aposenta.
Encontramo-nos, após duas décadas, distantes, afastados pela imposição da geografia e dos interesses próprios, que cada um cuida, afinal, dos próprios avatares e dos caprichos do destino. Olhamo-nos como quiséssemos descobrir quem éramos, sob a pátina cruel do tempo, e por que estivéramos tanto tempo sem nos darmos as notícias esperadas.
Politicamente a que lealdades se prendem?
Há de tudo entre as suas preferências. Sabe-se que, quando cinco franceses discutem, há pelo menos nove opiniões divergentes… São comunistas, socialistas, trotskistas, embora não tenham desistido de exercitar uma forma de pensamento complexo, segundo o modelo de Edgar Morin…