De minha parte, perdi a inspiração missionária de levar avante as “boas causas” que, aliás, nunca tive nenhuma para defender.
Defendo e não canso de defender o direito que cabe às pessoas para defenderem o que elas acreditam sejam “boas causas”.
Detestei a vida inteira a voz dos oráculos. Cada um deles na sua linha de emissário da salvação não me convenceram com a sua certeza iluminada sobre o “pretérito futuro”.
Detesto o direito e todas as suas artimanhas e licenças teóricas e conceituais quando as emprega para a condenação, como defesa prévia “ad infinitum” contra as vozes que falam as ideias que podem representar “risco para a governabilidade”. E que desconsideram crimes cometidos e julgados, em defesa de lealdades ideológicas…
Não surpreende: não tive influência próxima que me enchesse de virtudes e de uma dogmática convincente.
Voltaire habitava a casa dos meus avós, em velhas carcaças encadernadas e manchadas de tanto folhear.
Era como se “Panoramic” e “Idéefix” morassem ali, saídos dos traços de Uderzo e Goscinny para defender as ideias e as poções que tornavam as pessoas inteligentes.
Meu avô carregou por toda a vida o obelisco da sabedoria às costas. Terminaria por sobrar algum resto de perspicácia e reserva de ironia bem cuidada, para os netos, salvos a tempo das pieguisses da casa paterna…
O velho Paulo Elpidio tinha régua e compasso para o traçado da vida dos recém-chegados, os netos, deslumbrados com os preceitos de uma casa na qual não havia regras para a administração da fé. Conheci, cedo, a liberdade de pensar por conta própria. E de assumir os riscos desta corajosa e divertida persignação. Não sem o encorajamento do avô — e o senso crítico de que fez uso a vida inteira para fortalecer o caráter de crianças que foram se tornando adolescentes e adultos, sob a sua guarda…
Acordei, hoje, por pura intuição, com a clara percepção de que a coragem somos nós que a criamos. Ou inventamos. Quem há de saber?