Da sabedoria e do amor

Li no Tao de Lao Tsé que os nomes não eram lá grandes coisas; que as palavras não continham o fluxo, não carregavam em si o poder que imaginamos ter. Algo assim, eu li. E recebi uma carta, extraviada, uma daquelas que Bartleby deve ter lido também. Tinha como destinatário uma pessoa amada, tinha de remetente uma pessoa amante. Continham muitas lembranças. É como se Lao Tsé estivesse ao mesmo tempo certo e errado, aquelas palavras continham um doce e sereno encanto de um tempo, romântico, de um encontro, passado, e continham também desencanto. Um pedido de desculpas, eternas desculpas, perdão pelo desencontro e quase nenhuma aceitação. Eram tantas as boas lembranças, visões do paraíso, que resolvi não continuar para não entender o significado da queda. Lao Tsé na minha cabeça.

Parei para o almoço e fui ver o jornal, fogo, morte, guerra, desemprego, como se os cavaleiros das profecias fossem mais do que quatro.

Noutro dia me apareceu uma carta de guerra. Explicando a maldade do homem, o mal-estar na civilização, todos os sofrimentos nos quais incorremos que eu nem sei bem descrever. O remetente era um jovem escritor, o destinatário não me lembro. É que eu parei de escrever, parei. Sei do fogo, sei da peste, sei dos erros e pouco sei de mim e de ti, daquilo a que chamam nós. Mas parei de escrever e o silêncio fala em vozes às vezes mansas e outras vezes duras… A paixão se dissolve, a intensidade não é a chave-mestra da vida, o amor vai além e não agarra nas mãos quando o outro pode voar. Pensei em escrever uma, mas parei com isto de escrever, mas a imaginação flutua na pergunta de por que não se pode voar de mãos dadas. E a imaginação flutua nas memórias, tão doces, e tem medo de seguir como na leitura da primeira carta. Lao Tsé na minha cabeça.

E essa pode até ser como uma das cartas que Bartleby chegou a ler.

Pedro Henrique

"Anota aí: eu sou ninguém"

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