O ritmo é o que restou da MPB, inscrita assim em letras garrafais, redução que a geração dos velhos da minha idade reverenciou orgulhosamente.
A música popular brasileira dir-se-ia.
Misturávamos a criatividade melódica dos jovens baianos e da Bossa Nova aos movimentos insurrecionais que ocorriam nas universidades pelos de “grupos resistência” que se espalharam pelo país inteiro.
Premidos pelas circunstâncias, esses jovens inconformados e inconformistas bateram asas em revoada alegre ainda que cheia de hesitações para aninhar-se “ailleur”, em Paris, de onde pensavam todos restaurar as liberdades do povo brasileiro amordaçadas…
Zuleide e eu seguimos esses impulsos, com uma bolsa mínima, de onde tirávamos o necessário e o suficiente para apreciarmos, de longe, as raras notícias que nos chegavam a nós e aos numerosos auto-exilados que por lá fincaram pé à espera que os bons tempos passados retornassem.
A música foi um amparo e o apoio confortador pelo Quartier Latin. Cantores de passagem e as “canjas” compartilhadas “chez des amis” traziam o alento, em paralelo, à árdua adaptação ao temperamento dos parisienses que já se preparavam para aquela revoluçãozinha cultural propicia dos “copains” da Sorbonne, em maio de 1968.
Pois bem, vez por outra, extraio velhas gravações, LPs gastos pelo uso, CDs e DVDs acumulados e os ouço a salvo dos ouvidos da filha e dos amigos, já dos netos, como temesse ser enquadrado como o “tio” sem noção que aparece com ideias muito pancadas.
Um destes dias fui surpreendido pelo neto a ouvir no meu carro, algumas faixas de velhos “hits” de jazz intercalados com alguns chansonniers dos anos 40/50.
Tomado de vergonha, surpreendido em lance indesculpável, disfarcei e liguei num pancadão de uma FM local, a tempo de salvar a minha dignidade de avô…
Enchi-me de cuidados, a partir de então. Pior do que ter crianças em casa e os cuidados que elas exigem, é ter velhos a remexer perdidos de memória e emitindo opiniões fora de hora.
Para ouvir os meus “sucessos”mais queridos, tranco-me no meu escritório a salvo de visitas. Os livros em quantidade abjeta afasta os intrusos. Os jovens acham os livros um artefato suspeito e primitivo.
A minha biblioteca por muitas razões tornou-se o lugar mais seguro da minha casa.
Até o meu clínico preferido, que os tenho vários e igualmente cuidadosos, previne-me com insistência sobre o risco dos ácaros. Cedi à sua autoridade e arranquei as cortinas do quarto, porém conservei alguns tapetes na sala.
Quantos aos livros e às minhas músicas de ouvido, só passando por cima do meu cadáver.