“Amigos, valham os bons
Poucos que sejam. […]
Amigos quer-se-os como os vinhos raros,
Sutis no odor, no paladar discretos.
Quanto mais simples, mais amados”
Otacílio Colares
Abordo, hoje,nestas diatribes divertidas, verbete do registro de um léxico incômodo: “inimigo”. Em torno dessa entidade, tecerei algumas breves considerações, nada circunspectas, cínicas dirão alguns dos meus interlocutores. Que seja.
“Inimigos, melhor não tê-los. Mas se não os temos, como sabê-lo”?
Furtei de Vinicius de Moraes este registro poético, escrito para fixar os cuidados e apreensões que os filhos despertam nos país.
De inimigos há quem negue tê-los ou se os têm atribuem toda a culpa aos que se indispuseram, um dia, contra as suas vontades. Outros, por vergonha de serem tomados por encrenqueiros — “espinha-de-peixe”, pavio-curto” — escondem a “presença” dessas figuras bizarras sob o manto de um aparente e educado esquecimento.
Inimigos vêm para ficar, agarram-se no seu ego e grudam nos desafetos. Feitas as pazes, como sói acontecer, por vezes, perduram sempre sob suspeita. Lá vem aquela imagem do “cristal quebrado”, lugar comum a que não né posso furtar.
Há quem se vanglorie: “não tenho inimigos”. Engano. De um modo geral não somos nós que elegemos os nossos “inimigos”. Recebêmo-los por livre adesão, os que nunca foram nossos amigos… Inimigos, temo-los dissimulados e joviais. Só que não conseguimos identificar os sintomas anunciados. São os inimigos, os de tempera à mostra, dissimulados e cordiais, que nos escolhem. Somos eleitos por livre escolha a que não nos recusamos acolher.
Mas o que me proponho, aqui, não é deitar amargas lembranças sobre os que nos desamam. Decidi-me pela celebração do inimigo e tê-lo em reconhecimento pela sua importância e de como os aceitar como instrumentos para a consolidação do nosso caráter.
Dele nos vem a força para preservação de uma certa combatividade útil, indispensável à sobrevivência nesta selva de humanos. Dele, do inimigo contumaz, vem-nos o impulso para nos mantermos em guarda, na defesa de algumas premissas éticas, consensuais.
Como sobreviver sem inimigos leais?
Tenho-os em poção moderada, mas faço o que posso para conservá-los. Temo que se disponham a quebrar as reservas que guardaram contra mim — e se disponham a uma súbita conversão aos meus círculos de afeição e intimidade mais próximos.
Dos amigos diletos, desses, aliciados pelos laços do coração, não abro mão. Vencido o cabo das nossas esperanças, na longa navegação de cabotagem das nossas vidas, é deles que precisamos, deles esperamos o salva-vidas para chegarmos ao Porto final.
Digo, como o fazia um amigo querido, senhor de muitos e fiéis amigos — e de alguns inimigos úteis — que depois de uma certa idade não podemos nos dar ao luxo de perdemos amigos. A menos que devamos atender à sua vontade… Por vezes, tornamo-nos incômodos e incomodados em certas relações de amizade, construídas circunstancialmente.
Mas o quê fazer?
Inimigos, quer-se-os como devem sê-lo: fiéis às suas mágoas ardilosamente construídas.