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Conto curto Flor rosácea (1) – Espinhos que foram flechas de Cupido

“O mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos.” (2)

Rosa, branca, desde que se fez gente, comportava-se com exageradas reservas. O corpo era o relicário do divino. Até que a convenceram a ir a popular show de banda famosa no Aterro da Praia de Iracema.
Rosa, vermelha, deixou-se flechar por Cupido. Apaixonou-se loucamente, amor à primeira vista e aparentemente correspondido.
Logo estava nos braços do seu Adônis, qual Vênus no cio; no quarto de dormir de quem a conquistara donjuanamente, entregou-se sem reservas; no 13º andar de edifício praiano, o voo do gozo, o desabrochar do feminil segredo, o hímen destroçado, o sangramento de mulher.
Depois que a abelha-macha extraiu-lhe o pólen, sugou-lhe a inocente e agora irrecuperável virgindade, o ferrão pô-la em vexame, em desespero.
Arrependeu-se. Lamentou-se. Prostrou-se. Implorou. Chorou. Tudo debalde.
E, descaído da varanda, lá estava um corpo estendido no chão. Rosa despetalada e sem vida.
Suicídio?! Talvez. Homicídio?! É provável. À perícia caberia desvendar o mistério da morte na vida real; dar o veredito. O cravo no pódio das suspeitas, obviamente.

NOTAS DO AUTOR
(1) 9 de julho de 2023.
(2) Fernando Pessoa ou Bernardo Soares, seu quase heterônimo, em Autobiografia sem factos nº 43; Livro do desassossego – Companhia do Bolso; pág. 75).

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