“À margem do abismo: conflitos na política brasileira” é livro que marca os oitenta anos de vida do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos.
Nascido no Rio de Janeiro, Santos é graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em Ciência Política pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, com a tese “Impass and crisis in Brazilian politics”. Ademais, é um dos pais da institucionalização da Ciência Política no Brasil, como disciplina teórica e empírica, e um dos fundadores do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), hoje Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Reconhecido pela liberdade de análise e pelo distanciamento de alinhamentos partidários, embora não fuja ao debate político de alto nível, Santos, como observa a “Nota da Editora” no livro em comento, “é um dos autores com olhar mais penetrantes e escrita mais densa que se ocupam da vida política e social de nosso país”.
Para mim, Santos é um mestre que, com seus escritos, me ensinou muito. Leitor da sua obra, nela destaco, entre tantos, três vetores que me parecem primordiais para o entendimento deste Brasil, que, com certeza e como já foi dito, não é lugar para amadores. Em primeiro, lugar a interpretação que fez do golpe de 64, na tese de doutorado e em escritos posteriores, salientando a necessidade de incorporar ao diagnóstico corrente variáveis políticas, além de variáveis sociais e econômicas. Em última análise, o impasse que ocasionou a ruptura institucional se derivou de um conflito político caracterizado pela dispersão de recursos entre atores radicalizados, impedindo que o sistema tivesse um desempenho adequado e impelindo para a “crise de paralisia decisória”. Depois, a “descoberta” que fez de José de Alencar como relevante teórico da representação e da democracia proporcional, ressaltando-lhe o encaminhamento segundo o qual a maioria não pode extinguir a minoria nem a minoria impedir a maioria de governar. E, por último e não menor, a crítica certeira ao que chamo o “eterno retorno” da reforma política no Brasil, atribuindo enfática preferência pela “boa competição política” e esconjurando “os bodes expiatórios de costume”, como o número de partidos, o sistema proporcional e voto obrigatório, e a “ofensiva mascarada” dos oligarcas modernos.
Agora, em “À margem do abismo…”, que compila artigos e entrevistas publicados em jornais e revistas, sítios e blogs, o cientista político enfrenta a conjuntura compreendida entre os anos de 2002 e 2015, ou seja, a “era petista”, com a sua grandeza e a sua decadência, as suas conquistas e os seus fracassos. Proporcionando analise da evolução social e política brasileira, com algumas projeções sobre o futuro, Wanderley tem os olhos postos privilegiadamente na mecânica e dinâmica dos poderes Legislativo, Executivo e de Judiciário, e dos movimentos sociais.
A título de amostragem, no último capítulo, intitulado “A esquerda perdeu a capacidade de liderar”, Santos apresenta algumas observações desafiadoras: “esse sentimento antipolítico que desde sempre é da classe média conservadora foi absorvido pelo PT desde o seu nascedouro”; “o PSDB, como a UDN, faz política porque não tem outro jeito”; “a presidente não tem mais liderança”; “sem o PMDB não se derruba ninguém. O partido é a fiança do não impeachment”; “os conservadores atuais são medíocres e agressivos no vocabulário. A esquerda também é, mas para quem precisa competir e mostrar a diferença tem que ter mais”. No entanto, diante das adversidades trazidas pela “fortuna”, retira a esperança que restou na caixa de Pandora: “As pessoas podem ter um papel causal que as instituições perderam. É o momento da virtude”.