Comunicação política e Ética liberal: “fakes News” e “hackers” – Por Josênio Parente

A política deveria ser a busca do bem comum como já falava os gregos antes de Cristo; deveria, mas na “modernidade”, muito competitiva, ela é inevitavelmente uma correlação de forças da sociedade civil. Maquiavel, no século XVI, já destacava essa realidade observando que a política, movida por interesses materiais muito específicos, reforçava a necessidade de uma ética restabelecedora da confiança do povo nos governantes, condição inevitável para a manutenção no poder e a governabilidade.

O Príncipe, hoje o governante moderno, deve preferir ser temido mais a ser amado. Essa afirmação de Maquiavel significa que a base da ética liberal não está mais no “temor de Deus”, baseada na Verdade Revelada, como acontece nos Estados Teocráticos, mas no temor dos homens, baseada na Verdade da Natureza que se revela pelo método científico, o chamado Estado Laico. O Príncipe, temido, se torna a representação da nova ética, mas que, se odiado, ele será presa fácil para seus adversários na competitividade da sociedade moderna. Nesse caso, o povo apoiará o conspirador.

No Ocidente, nesse percurso de construção de uma convivência civilizada num mundo de muita competitividade, o aperfeiçoamento dos meios técnicos de comunicação representou sempre um processo de transição política, no desequilíbrio da correlação de forças políticas. A invenção da imprensa, de Gutemberg, por exemplo, provocou a Reforma Protestante, significando o rompimento dos “impérios” emergentes, da época, com Roma. Assim, a decadente aristocracia, que se sentia predestinada durante a vigência da Teocracia, pois ela representava a Vontade Divina do poder, foi abalada com o aparecimento de forças legitimadoras mais potentes, a Vontade Geral (expressão de Rousseau para a Soberania Popular) e por novos valores no debate próprio do Estado Laico: a igualdade e a liberdade. As condições de luta política da nascente burguesia contra a tradicional aristocracia, de “sangue azul”, foram aprofundadas e favoreceu movimentos como a “Revolução Gloriosa”, na Inglaterra, e na Revolução Francesa.

Foi no século XX, contudo, que os aperfeiçoamentos mais importantes dos meios de comunicação aconteceram: o Rádio, a Televisão e a internet. Esses instrumentos também marcaram mudanças significativas. O Rádio, logo no início do século XX, foi decisiva no florescimento do “nacionalismo” e, com ele, os movimentos políticos de grande impacto: o fascismo italiano e o nazismo alemão, como também, ainda que em menor proporção, para a Revolução que nasceu com império da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviética), que substituíra o Império Otomano. Provocou duas guerras mundiais que marcou o que Hobbesbaw chama de Era dos Extremos.

O papel da televisão foi tão impactante quanto a do rádio. A derrota americana na guerra do Vietnam, por exemplo, foi devido a força dos movimentos sociais estimulado pela TV. As imagens realistas das batalhas trazidas pela televisão, produzidas pelas primeiras filmadoras portáteis, mostrando aos americanos como seus filhos morriam nos embates, provocaram grande mobilização política e fortes protestos contra a guerra dentro e fora dos Estados Unidos. Foi também com a televisão que, no Brasil, se decidiu a vitória de Collor de Mello sobre Luiz Inácio Lula da Silva, no pleito disputadíssimo de 1989, ano da queda do muro de Berlim, o fim da guerra fria. A Rede Globo, posteriormente, pediu desculpas pela edição que realizou de um debate entre Collor e Lula, edição essa favorecendo o primeiro em detrimento do segundo. Este foi o último e decisivo programa de TV antes das eleições. O debate apresentado de forma parcial, decidiu e promoveu a vitória de Collor de Mello.

Nessa época, ter tempo de televisão passou também a ser quase decisivo e havia disputa entre partidos para ter mais tempo. Na eleição de 2018, contudo, aconteceu a novidade: ganhou a Presidência da República um candidato com partido pequeno o PSL (Partido Social Liberal) e, por isso mesmo, sem tempo de televisão suficiente para a concorrência da exposição na TV aberta com os grandes partidos. A novidade não foi uma surpresa, pois era um fenômeno global.

O PSL utilizou novos recursos que se mostravam mais potentes que a TV aberta, atingindo mais pessoas e com maior potencial de mobilização: a internet pela via das Redes Sociais, sobretudo os mais populares na época, o WhatsApp e o Facebook. Não foi uma experiência pioneira, mas já testada nos EUA, que se mostrou inovadora no Brasil. As Redes Sociais já tinham provocado mudanças importantes na ordem mundial, como no movimento chamado de “Primavera Árabe”, onde foram derrubadas ditaduras. O impacto só não foi maior devido ao fato de que o movimento também pegou os organizadores de surpresa e não estavam suficientemente articulados para a manutenção de poder, a principal preocupação teórica de Maquiavel. Assim, muitas das ditaduras voltaram, embora em outro padrão. Também a eleição de Obama, nos Estados Unidos, teve, pela primeira vez, a força das redes sociais. Essa estratégia de Obama foi bem sucedida, mas influenciou mais na arrecadação privada de financiamento de campanha na TV aberta. Foi, contudo, na eleição de Trump que se utilizou estratégias que aproveitaram a experiência do momento do rádio e pôde surpreender Hillary Clinton, a favorita, e já consensualmente eleita.

A internet, contudo, tem outro efeito de grande impacto na competição política: os “Hackers”. Como nas Redes Sociais, sua ação ultrapassa os Estados Nacionais. O caso de Edward Snowden, ex-espião americano exilado no Rússia, é emblemático. Ele foi autor de um dos maiores vazamentos da espionagem americana que, em 2013, tornou-se público. Era um programa secreto de vigilância maciça, em escala mundial, da CIA e da NASA. A empresa Intercept, que Glenn Greenwald representa, tem divulgado esse processo chamado de “golpe” desde o impeachment de Dilma e revelado a trama que se realizou. Essa experiência tem abalado as forças em competição política. Estamos assistindo e, no Brasil, é também outra novidade que equilibra a correlação de forças.

A jovem democracia brasileira se depara com o desafio que a globalização traz para a política: a representação política, base da democracia, passa por uma crise para equilibrar a comunicação com a ética para que “fake news” e “Hackers” estejam a serviço da Soberania Popular. Aprofundaremos essa reflexão.

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.