Começa a campanha para Presidente da República: a democracia brasileira pede passagem. Por Josênio Parente

As eleições deste ano de 2018 indicam que a economia e a política brasileira terão mudanças significativas. Será um passo importante na consolidação democrática que se processa desde meados da década de 1980, com a abertura política. Há sinais relevantes de que os partidos políticos surgidos nesse processo de mais de 30 anos já se estruturam, e as convenções para escolha dos respetivos candidatos foram já indicativos dessa estruturação. As dificuldades na escolha dos respectivos vices e as estratégias dos principais partidos no lançamento de suas chapas são pontos dessa realidade.

Eleições para Presidente da República sempre foram as mais importantes em termos de mobilização e sempre realizadas pela hegemonia do centro político: era o PSDB versus o PT. Os conservadores e os liberais mais radicais interferiam nas políticas públicas, mas não lideravam o processo. São Paulo, a conhecida locomotiva econômica, orientou o processo e foi o berço dos dois principais partidos de centro. Quase três décadas dessa tradição, há sinais claros de que a democracia passa por novos patamares de cidadania. Nesta eleição há uma reação de setores conservadores e da direita que atuaram, até certo ponto, como figurantes. Eles dominam o Congresso, aliam-se a partidos de centro direita e a setores das elites econômicas, sobretudo ao sistema financeiro, e à imprensa tradicional, e seguem com sede de poder como a querer recuperar tempos perdidos.

Essa eleição, portanto, é o desdobramento das eleições de 2014. A mobilização, um tanto artificial, de 2013, em São Paulo, contra o aumento da passagem de ônibus, de vinte centavos, liberada pela prefeitura paulista, do PT, foi o estopim para um movimento nacional contra a corrupção de forma organizada. Imaginou-se que seria a vez do PSDB. Não só não foi, como a perspectiva de poder da oposição ficou para um horizonte mais distante com sua derrota para o PT. Veio, então, a estratégia do impeachment da Presidenta eleita, Dilma Roussef, uma estratégia que se apresentava também fácil, como foi o impeachment do ex-Presidente Collor de Mello, vencedor das eleições de 1989. Collor, contudo, não tinha partido político organizado, ao contrário de Dilma, e essa diferença é fundamental. Foi uma estratégia de golpe na democracia representativa.

Com o impeachment, iniciou-se uma correlação das forças organizadas da sociedade civil, estimulado por um conjunto de meios, com destaque para as redes sociais, que fortaleceu a crise política e econômica. Um clima de ódio se instalou. Recuperaram o ambiente próprio da “guerra fria” na participação política dos partidos e na sua luta ideológica, motivada pela atuação mais destemida da direita e dos conservadores. O “comunismo” voltou a ser usado no discurso da direita brasileira como instrumento de luta, reproduzindo como na “guerra fria” do século passado, muito explorada nas redes sociais. E a prisão do ex-presidente Lula da Silva foi mais um dado na estratégia política, e mostrou que a indefinição de sua candidatura, pela lei da Ficha Limpa, tem sido um espectro que paira sobre os partidos na disputa eleitoral, revelando, deste modo, nossa crise de representação política.

As convenções se realizaram e mostraram que as estruturas partidárias brasileiras caminham para se consolidarem. Enquanto os candidatos tiveram dificuldades de escolher seus vices, reflexo não apenas da indefinição de Lula poder ou não participar desta eleição, mas também de novos partidos que foram surgindo ou se fortalecendo com o nível de participação política. Novamente, contudo, os partidos mais estruturados, PSDB e PT, que mostraram representar os espectros da direita e da esquerda brasileira, e que teriam mais forças para representar essa realidade da sociedade civil, conseguiram mais espaços nessa disputa após as convenções realizadas. Os partidos novos não atraíram o eleitor, segundo pesquisas realizadas, nem mudando de nome, como MDB ou Podemos, como também com os representantes da sociedade civil organizada atuando mais afirmativamente, como o agronegócio, os evangélicos e a direita intervencionista.

Ciro Gomes foi o caso mais emblemático a indicar a singularidade desta eleição. É o principal candidato para ocupar o vácuo que Lula deixará, caso não consiga ser candidato. Sua instabilidade nas aproximações com o centro político faz perder temporariamente a confiança das tendências naturais e fica temporariamente isolado. Fez, no entanto, uma grande jogada ao escolher Kátia Abreu, do seu partido, como seu vice. Assim, como a direita e a esquerda só irão se unir no segundo turno, pode reproduzir a eleição de 1989, quando Mário Covas não emplacou pelo PSDB e Collor, isolado no Partido da Juventude, recebeu o apoio das elites por ser o único a enfrentar Lula. Nesse sentido, Ciro pode ser o “Collor” da esquerda, no bom sentido. Seria o único com certa capacidade de enfrentar a direita por suas qualidades pessoais e não partidárias.

O PSDB uniu o chamado centrão e, com dificuldade, conseguiu um vice representante do agronegócio. Não foi o caso do PT. A história não se repete, mas as estruturas, sim. Estas eleições, como a de 1989, reproduzem momentos de inflexão de nosso longo processo de redemocratização. Continuamos a ir em frente!

 

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.