Comandar ou ser comandado: eis a questão!

“No hay verdad sin justicia”. (Suprema Corte da Argentina)

 

Quem são os traidores da Democracia Brasileira, da Constituição Federal e do Governo do Presidente Lula eleito pelo voto popular em outubro de 2022? Em nossos dois últimos artigos Historia magistra vitae  e Tudo foi facilitado dedicamo-nos a refletir sobre o golpe neofascista do dia 08 de janeiro, sob dois aspectos: primeiramente apoiando-nos no conceito de Mito Fundador desenvolvido pela filósofa Marilena Chauí voltado para explicar o autoritarismo, alicerçado na teologia política cristã da soberania divina e na graça de Deus, sobre o qual se ergueu o edifício político institucional e social brasileiro, cuja base material era o sistema econômico escravista e latifundiário; no segundo texto, a partir de três momentos documentados pelas câmeras das mídias sociais, tecemos nossas ponderações acerca da concertação planejada para a realização do referido golpe de Estado, com fartas evidências da omissão, aquiescência e incentivo das forças militares, federal e distrital.

De fato, nos acampamentos espalhados pelas capitais brasileiras, onde se concentrava a turba golpista acolhida pelos quartéis do Exército brasileiro logo após a conclusão da eleição no dia 30 de outubro, encontravam-se, por exemplo, esposas de militares graduados (generais), como demonstram os vídeos em redes sociais, e suas famílias, todos adestrados a urrar em coro pela intervenção militar. Em Fortaleza, o gen. André Campos Allão, comandante da 10ª Região Militar do Exército, em discurso para a tropa, circulando em vídeo desde o dia 18/11/2022, afirmou que se manteria atuando para proteger aquelas pessoas “mesmo que existam ordens de outros Poderes [Judiciário] no caminho contrário”. Um flagrante ato de desobediência à Lei enquanto servidor do Estado brasileiro. Nenhuma punição lhe foi imposta pelo então presidente da República, denotando evidente descumprimento (prevaricação) funcional.

Mas antes desse desacato público, desta vez em Brasília-DF, numa esdrúxula Nota às Instituições e ao Povo Brasileiro, datada do dia 11 de novembro, os comandantes das três Forças Armadas, intitulando-se como “forças moderadoras de nossa história, mantendo-se vigilantes como garantidoras de nossa soberania, ordem e progresso, afirmaram, acerca dos acampamentos antidemocráticos, os quais denominaram de “manifestações legítimas”, que “são condenáveis as restrições de direitos (dos acampados antidemocráticos) por parte dos agentes públicos [novamente o Judiciário].  E desta forma, os quartéis, mais uma vez desacatando a Lei expressa nas ordens do ministro Alexandre de Moraes, mantiveram-se acolhendo abertamente tais acampamentos, verdadeiras “incubadoras de ações terroristas”, como afirmou o ministro da Justiça Flávio Dino. Assim, entre Fortaleza e Brasília constata-se uma perfeita unidade de discurso e desacato à Lei e aos Poderes republicanos, nestas ações dos comandantes militares.

Fazendo agora um exercício de distanciamento no tempo, voltando ao período de 2015, um ano antes do golpe parlamentar que destituiu a Presidenta Dilma Rousseff, sem haver sido comprovado crime de responsabilidade, registra-se um fato simbólico que poderá ajudar-nos em nosso processo de reflexão.

Em dezembro de 2014 fora divulgado o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) no qual 377 agentes da repressão do regime militar de 1964 são oficialmente acusados de crimes. Na relação consta o nome do gen. Leo Guedes Etchegoyen, pai do gen. Sérgio Etchegoyen, nome apresentado em 2015 à Dilma Rousseff (torturada pela repressão militar do Regime de 1964) para ocupar o posto de chefe do Estado-Maior do Exército, o segundo na hierarquia daquela Arma. Também o tio, coronel Cyro Etchegoyen, cujo codinome era Doutor Bruno, foi o Chefe da Casa da Morte de Petrópolis. Os irmãos Leo e Cyro articularam desde o primeiro momento o Golpe de 1964, no Rio Grande do Sul, aderindo à ditadura desde sua alvorada. Ocorre que o general Sérgio juntamente com sua família publicaram uma dura nota de repúdio contra o relatório da CNV intitulando-o de leviano. (VICTOR, Fábio. Poder Camuflado: Os Militares e a Política, do fim da ditadura à aliança com Bolsonaro. Cia. das Letras, 2022).

O atual senador Jacques Wagner (PT-BA), em 2015, era o ministro da Defesa do governo Dilma. Ele não advertiu nem puniu o general Etchegoyen pelo ato de indisciplina ao publicar a nota de repúdio ao relatório da CNV. Também não impôs obstáculo algum para sua nomeação como chefe do Estado-Maior do Exército. Coube à presidenta Dilma autorizar a nomeação. Era um claro e emblemático sinal de fraqueza da Presidência da República diante da indisciplina militar. Depois do Golpe de 2016, Sérgio Etchegoyen assumiu o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), no governo de Michel Temer, com plenos poderes de reorganizar e controlar a inteligência de Estado, preparando o terreno para a chegada de um sem-fim de generais e oficiais aos postos no Executivo federal, conforme o roteiro político previamente concertado, tornado explícito com a eleição em 2018 do capitão.

O outro fato que se nos apresenta com relevância, trata-se de um documento – uma minuta de decreto para golpear o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com intuito de alterar o resultado da eleição presidencial de 2022 em benefício de Bolsonaro –   encontrado na residência do ex-ministro da Justiça, o bolsonarista Anderson Torres, por ocasião da ação de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal no dia 10 de janeiro. Trata-se da ideia de implantação do Estado Defesa, por meio do qual ficariam suspensos o sigilo de correspondência, comunicação telemática, telefônica de todos os membros do TSE desde o período eleitoral até o dia 12/12/2022. Além disso os membros do TSE ficariam proibidos de acessar as dependências do Tribunal. Por fim, quaisquer decisões judiciais direcionadas a impedir ou retardar os trabalhos da Comissão de Regularidade Eleitoral teriam seus efeitos suspensos. Portanto, mais um grave ato criminoso contra o Estado de Democrático de Direito brasileiro, o qual precisa ser investigado profundamente até serem encontrados os seus mentores para sofrerem exemplar punição conforme a Lei.

Vê-se, portanto, que a redemocratização do Brasil passará necessariamente pela capacidade de fortalecimento da unidade cidadã em torno da defesa intransigente dos Valores e das Regras que regem nosso regime democrático. Cidadania ativa, combatente em todos os espaços públicos contra subversões golpistas – civis e militares – sem contemporizar, nem sem se omitir. No campo institucional, o Governo Lula há que consolidar sua condição de liderança nacional, não titubeando em sua responsabilidade de Comando, colocando em seu devido lugar constitucional os servidores militares, federais e estaduais, punindo exemplarmente qualquer desacato ou insurgência dos espíritos autoritários golpistas ainda remanescentes nestas corporações.

Por fim, gostaríamos de citar um trecho de uma elevada comunicação da Professora Doutora Maria Lianeide Souto Araújo endereçada à coordenação nacional de uma Associação Religiosa cristã católica da qual participa, advertindo sobre a necessidade de exercerem com firmeza seu comando diante do contexto histórico atual: “Vivemos em dias desoladores. A questão é gravíssima. Grande é a dificuldade para lidar com parte dos nossos (companheiros) que se informam exclusivamente em bolhas de desinformação. Não se dão conta que estão contribuindo para disseminar calúnias e intolerância. O bolsonarismo é um fenômeno neonazista e precisa ser freado. Contemporizar não contribui para que essa massa delirante desperte da onda que os arrasta para um estado de barbárie. Igrejas e comunidades religiosas se tornaram incubadoras do fascismo e valores nazistas. É necessário compreender que, em diferentes momentos da História, a omissão e conivência arrastaram cristãos para grandes desgraças coletivas”.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Editora Dialética); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

2 comentários

  1. Valdenir viana

    O Brasil do dia 8 de janeiro mesmo sofrendo a mas dura tentativa de golpe,saiu forte nosso Lula saiu grande. Mostrando que não irá maa permite essas tentativas criminosas de ter o poder pela a força

  2. José Maria Ferreira da Silva

    Realmente precisamos colocar as forças armadas no seu devido lugar, pois sua história não é nada gloriosa, ao contrário está manchada com o sangue do nosso povo.