Cena Brasileira (antes), livro de autoria de Osvaldo Araújo, desafia e cativa o leitor. Desde o título, pode-se imaginar que se trata de uma temática puramente política. Ao longo das páginas percebemos que é mais do que isso. Renata Moreira da Rocha, que me indicou o livro, em seu comentário faz uma observação precisa ao afirmar que, embora o autor pretenda se referir a um período específico da história brasileira, o enredo se mostra atemporal. Seus personagens, descritos com riqueza admirável, lembram estilo de autores clássicos, transcendendo épocas e se reproduzindo ao longo do tempo, como se mudassem apenas nome e sobrenome. Eles ganham rosto de forma tão vívida que parecem estar diante de nós, carne e osso.
A fragmentação do livro, composto por 26 ‘cenas’, exige do leitor uma participação ativa para montar o quebra-cabeça da narrativa. O autor oferece um painel único de figuras da sociedade brasileira entre 2014 e 2015, e nos convida a acompanhar, com ironia e humor, as engrenagens ocultas por trás das decisões políticas e econômicas. Renata destaca a profundidade com que Osvaldo imerge nas relações político-sociais, trazendo à tona uma fina descrição das veleidades humanas — vaidade, cinismo, ambição —, muitas vezes disfarçadas de altruísmo e dedicação ao bem comum. Assim como na fábula de Andersen, “O Rei Está Nu”, o autor revela seus personagens sem as “roupas mágicas”, expondo sua verdadeira natureza.
Renata também ressalta de forma especial os capítulos “O Classe Média” e “O Pobre”. No primeiro, a obra assume um tom de comédia, com uma descrição absolutamente hilária e digna de um prêmio literário, enquanto no segundo, o livro desenha e dá contorno a um drama. Aqui, vemos um personagem humilde cujas convicções, moldadas ao longo da vida, são postas à prova pelo pastor de sua igreja, tornando o momento particularmente reflexivo, tocante.
No capítulo final, “A Coisa”, o “romance-ensaio” se transforma em um verdadeiro/falso suspense. Renata admite que, mesmo após terminar o livro, permanece intrigada com essa “coisa”. Osvaldo deixa a natureza desse evento em aberto, mantendo o ‘mistério’ e oferecendo ao leitor a liberdade de interpretá-lo à sua maneira. Para quem acompanhou a história recente do Brasil, essa “coisa” é crítica sutil com alvo certeiro.
No fim das contas, ‘Cena Brasileira’ é uma obra que consegue ser romance, ensaio, conto, crônica e comédia, tudo ao mesmo tempo. Com suas ricas descrições, personagens atemporais e reflexões afiadas sobre a sociedade, Osvaldo Araújo entrega um livro envolvente, que provoca risos, reflexões e até inquietações. Uma leitura obrigatória para quem deseja compreender as dinâmicas de poder no Brasil, e que, como bem apontou Renata Moreira da Rocha, deixa marcas na mente do leitor, mesmo após a última página.