CEM NOITES DE MEDIOCRIDADE, por Alexandre Aragão de Albuquerque

O transe brasileiro atinge suas cem noites.

Jacques Lacan, médico e psicanalista francês, assevera que falamos como pensamos. Se não sabemos articular bem nossas palavras é sinal de que nossos pensamentos são precários. Já tivemos a vergonha de testemunhar nessas cem noites expressões como “conje”, “síndrome de drown”, “inspeciona eu”, além das cosméticas “rugas” entre juízes e ministros. Como se não bastasse, há quem tenha visto “Jesus na goiabeira”, quem afirme que “a Terra é plana”, chegando ao absurdo de expressar, sobre os telhados, que “o nazismo é uma ideologia racista de esquerda”. Um vexame institucional nunca visto antes na história desse país! O gênero teatral besteirol perde de longe.

O foco dessas cem noites está centrado num tripé de incentivo à violência do Estado contra os mais vulneráveis da sociedade brasileira: Violência Econômica, Jurídica e Policial.

No campo da Violência Econômica, uma das primeiras providências foi a extinção do Ministério do Trabalho, dividindo suas funções entre os Ministérios da Justiça e Segurança Pública e o Ministério da Economia, indicando a perda de poder e representatividade dos detentores da força de trabalho em relação aos donos do Capital, opção preferencial do grupo no poder.

Outra ação foi privilegiar a dita Bancada Ruralista no Congresso Nacional ao retirar o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) do Ministério do Meio Ambiente, responsável pela ampliação e recuperação da cobertura florestal, submetendo-o ao Ministério da Agricultura, que segue em direção oposta desta agenda ecológica. Além disso, a política adotada nesta noite é a do total esvaziamento da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Por meio desse esvaziamento, cumpre-se uma promessa de campanha: não demarcar um centímetro a mais das áreas indígenas ou quilombolas.

Mas a pauta central da Violência Econômica reside na reforma da Previdência Social brasileira obedecendo à imposição do Capital que se recusa a pagar a sua parte no sistema de repartição solidária, instituindo um modelo de capitalização no qual cada trabalhador assume sua conta individual, administrada por Fundos de Pensão, sem a contraprestação patronal. Este modelo foi implantado no Chile, em 1981, pelos economistas “chicagoboys”. Atualmente os benefícios médios de cada aposentado e aposentada chilenos giram em torno de 30% do seu recebimento enquanto trabalhadores ativos.

No campo da Violência Jurídica, podemos citar dois exemplos. A Medida Provisória 870/2019 confere à Secretaria de Governo da Presidência da República a função de MONITORAR, SUPERVISIONAR E ACOMPANHAR as atividades e as ações das organizações não governamentais no território nacional, indo frontalmente de encontro à Constituição Federal que no artigo 5º. , XVIII, garante que a “criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, SENDO VEDADA A INTERFERÊNCIA ESTATAL EM SEU FUNCIONAMENTO”.

E outra medida de extrema gravidade é o PACOTE apresentado por Sérgio Moro que reduz as garantias individuais e indicam a ampliação dos instrumentos persecutórios do Estado contra setores da sociedade civil. Importante destacar, a exemplo do que vimos nos discursos do então candidato a presidente, que estas medidas apresentadas por Moro permitem a ampliação da imensa violência policial as quais abrem espaço para perseguição aos movimentos sociais com destaque para a criação do tipo penal “resistência qualificada” e a adoção no Brasil de mecanismos de negociação da pena entre acusado e Ministério Público privando o acusado do direito a um processo legal acarretando como consequência a ampliação do encarceramento em massa.

Com relação à execução, neste mês, pelo Exército brasileiro do músico Evaldo Rosa dos Santos, os militares envolvidos na ação alegaram que reagiram a uma “injusta agressão”, já dentro desta nova nomenclatura do “pacote” citado acima, ao confundirem o veículo do cantor com outro supostamente envolvido num assalto. Como se sabe foram disparados 80 tiros de fuzil. Familiares da vítima do fuzilamento denunciaram que os militares continuaram atirando mesmo com sinais de que havia crianças no carro. E ao final, riram de toda a violência que praticaram.

Pode ser que a reflexão sobre essas cem primeiras noites do besteirol brasileiro possa acordar aqueles corações e mentes no sentido de reverem suas devoções a um projeto de poder tão maléfico à sociedade brasileira, principalmente os mais vulneráveis. Importante é não ter medo de rever-se e de recomeçar, pondo-se de pé pelos próprios cabelos, antes que a noite aumente ainda mais.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .