Cláudio Oliveira escreve um posfácio ao livro O homem sem conteúdo (Editora Autêntica), de Giorgio Agamben, intitulado Da estética ao terrorismo: Agamben, entre Nietzsche e Heidegger. O intuito aqui não é tratar do posfácio, mas do que sua leitura incitou a anotar nos cantos de página. Assim, a primeira imagem que salta de um tal título, O homem sem conteúdo, é de que se trata de um problema antropológico e estético em questão. E, quem sabe, um outro olhar poderia ser encontrado a partir de Robert Musil (O homem sem qualidades) e Samuel Beckett, seu teatro do absurdo do mundo.
Três parecem ser, nesse sentido, os pontos nodais do livro (na leitura do posfácio): 1. “(…) tudo aquilo que o espectador pode encontrar na obra de arte é, agora, mediado pela representação estética, que é, ela própria, <<independentemente de qualquer conteúdo>> (…)” (p. 70); 2. “Pigmaleão, o escultor que se inflama pela própria criação até desejar <<que ela não pertença mais à arte, mas à vida>> (…) (p. 18-19); 3. “(…) resta apenas o gesto de Rimbaud, com o qual, como disse Mallarmé, ele se operou da poesia… O que é, de fato, o mistério Rimbaud senão o ponto em que sua literatura se une ao seu oposto, isto é, o silêncio?” (p. 32-33).
O caráter de independência, até mesmo indiferença, em face de qualquer conteúdo, que marcaria o que se chama de estética; a tensão entre arte e vida, dada na imagem do escultor Pigmaleão; a destinação de Rimbaud, que, no intento de mudar a vida, numa promessa de felicidade intrínseca a seu ato poético depara-se, no entanto, com o Terror, com o perecimento e, assim, precisou, antes de amputar a perna em seu caminho na direção da morte, amputar a própria poesia de sua vida, tamanho o Terror proveniente de sua audácia. São esses os três pontos que, acredito, poderiam dar uma outra leitura, um outro olhar ao texto de Agamben. Mas essa é uma conversa fiada, pago depois; fica de fiança uma breve nota de leitura.
Agamben busca a poiesis, no sentido grego (duplo: um, numa dimensão produtiva, relativa à techné; outro, de fazer o não ser vir a ser), contrapondo-se à estética. O ato criador não é desinteressado como não é sem sangue, entranha, sacrifício; há uma certa fetichização na arte em que o ato produtivo desaparece e seu produto aparece como objeto de contemplação já pronto e belo. O espectador pode até entrar em catarse, alçar algum sublime, mas o “artista criador” pode recair na loucura, na morte, no pavor em seu duelo notívago ou diurno com o belo.
No mundo moderno a atividade artística, que se apresenta à reflexão do crítico ou ao desinteresse do espectador (interessado subliminarmente no sublime, em dar sentido a uma lacuna), carrega consigo um cânon estético, uma meta-arte seja no interior de uma filosofia da história, seja numa reflexão antropológica da faculdade receptiva; ela, como todos, lidamos com uma fratura social que instaura e mantém um estado permanente de esconde-aparece, ora exposta a fratura, ora não; uma espécie de Daniel na Cova dos Leões que não é dado a todos saírem ilesos.