CÂMERAS CORPORAIS NAS POLÍCIAS ESTADUAIS

No ano de 1985, em pleno processo de redemocratização do país, era fundada informalmente a União Democrática Ruralista (UDR), na cidade de Presidente Prudente, São Paulo. No ano seguinte, em Goiânia – GO, foi criada a UDR nacional, sediada em Brasília, resultado de uma articulação dos grandes proprietários de terra, contrários à reforma agrária, tendo em vista defender seus interesses latifundiários na Assembleia Nacional Constituinte, instalada no ano de 1987. Seu primeiro presidente foi o produtor rural goiano Ronaldo Caiado, atualmente governador do estado de Goiás.

A UDR tem amplo histórico de ações violentas e controversas, especialmente em resposta aos movimentos de reforma agrária no Brasil. Em 17 de abril de1996, a Polícia Militar do Pará, sob influência de grupos de pressões ruralistas, inclusive da UDR, atacou uma marcha de trabalhadores sem-terra, resultando no assassinato de 21 trabalhadores rurais. Este evento, conhecido como o Massacre de Eldorado dos Carajás, é um dos mais emblemáticos da violência contra os trabalhadores rurais, num ataque covarde de metralhadoras dos policiais contra o povo desarmado. (Massacre de Eldorado do Carajás).

Outro exemplo, a UDR tem sido acusada de organizar milícias no campo para intimidar e atacar trabalhadores rurais sem-terra e ativistas da reforma agrária, contemplando ações que incluem despejos forçados, destruição de acampamentos e violência física contra manifestantes. (Outras Palavras).

Ronaldo Caiado é um político frequentemente associado a extrema-direita. Durante a presidência de Jair Bolsonaro, Caiado foi um aliado próximo, apoiando muitas das retóricas e políticas do ex-presidente, entre as quais posições ultraliberais sobre economia, segurança pública e direitos humanos. Além disso, tem se posicionado contra políticas progressistas em áreas como direitos LGBT e políticas sociais de inclusão, com forte discurso conservador dos costumes e da ordem tradicionalista.

Na recente reunião do Presidente Lula, 31/10, com governadores estaduais, Caiado demarcou uma oposição questionável à implantação de câmeras corporais na Polícia Militar, afirmando categoricamente que não o fará de maneira alguma. Tal postura açodada contrasta com o teor republicano da reunião com os governadores, cujo escopo é iniciar o debate responsável e civilizado em torno da construção de um pacto federativo – federal, estadual e municipal – visando à elaboração da PEC da Segurança Pública.

Além disso, para a opinião pública, a falta de câmeras corporais pode ser vista como uma barreira para a modernização da instituição e a melhoria das práticas policiais. Tal recusa levanta dúvidas importantes sobre o princípio da transparência dos atos dos gestores públicos, como ocorre atualmente no governo bolsonarista de São Paulo.

Em seu estudo “Evidências sobre o uso de câmeras corporais no policiamento: overview de Revisões Sistemáticas”, o doutor em Sociologia Marcos Rolim et alii atestam que as evidências disponíveis por eles analisadas  autorizam expectativas positivas no sentido da redução da letalidade e da violência policial, da redução do número de reclamações contra policiais e no aperfeiçoamento do trabalho de polícia, efeitos que tendem a ser mais significativos em países com maiores indicadores de violência policial, como no caso do Brasil. (Crítica & Controle, Volume 1, Número 2, Agosto de 2023, UFRGS).

Para os pesquisadores, a disponibilidade da tecnologia de câmeras corporais (body-worn câmeras – BWCs) acopladas aos uniformes dos policiais tem se ampliado em vários países nos últimos anos. Entre outros benefícios, espera-se que projetos bem implementados de monitoramento por câmeras corporais das atividades policiais permitam maior prestação de contas e transparência (accountability) das polícias e redução da violência nas interações entre os policiais e o público, incluindo a redução da letalidade resultante da ação policial.

Em que pese dúvidas sobre o real impacto do uso de câmeras no policiamento, percebe-se que a tecnologia tem um potencial nada desprezível para aumentar as chances de responsabilização de policiais que atuem de forma violenta, desrespeitosa ou ilegal. Além de aperfeiçoar a qualidade da prova oferecida às autoridades judiciárias o que pode inclusive proteger policiais acusados injustamente, contribuindo fortemente para a redução das taxas de impunidade.

Por fim, o estudo ainda aponta que as câmeras corporais podem causar efeito positivo na conduta da polícia na sua relação com a comunidade. As gravações aumentam a confiança da população que passa a considerar que os policiais que violarem a lei serão devidamente responsabilizados.

Sem dúvida, diante das evidências e dos estudos analíticos, em países com tradições violentas da ação policial, como é o caso do Brasil, a nova tecnologia das câmeras corporais apresenta-se como extraordinária possibilidade de maior segurança da população civil contra a violência policial disseminada pelo país, quer Caiado queira ou não.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Editora Dialética); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .