BRINCANDO COM A LITERATURA 2 – PEQUENAS NOTAS SOBRE “O PEQUENO PRÍNCIPE”:

Recomendo que veja o Filme “O Pequeno Príncipe”, ou leia, ou releia, o Livro “O Pequeno Príncipe” (1943), de Antonie Saint Exupéry, uma obra literária, escrita quase no final da Segunda Guerra Mundial, no contexto do Nazismo e do Fascismo. Para mim, é uma obra filosófica, uma literatura filosófica, que expressa uma estória simples, mas com muitos ensinamentos.

A obra, “O Pequeno Príncipe”, pode ser vista por diferentes aspectos, dos quais irei destacar alguns, como:

1 – NÃO DEIXAR, NÃO ABANDONAR NOSSOS SONHOS: SEGUIR NOSSOS SONHOS, NOSSOS DESEJOS. A VIDA É UMA SÓ:

  Não abandonar os nossos sonhos, como o fez o Piloto, que deixou seu sonho de ser desenhista, que pressupunha a criação, a imaginação, para ser, para se tornar, um adulto fechado, sem imaginação, sem criação, sem vida;

“As pessoas grandes aconselharam-me deixar de lado os desenhos de jibóias abertas ou fechadas, e dedicar-me de preferência à geografia, à história, ao cálculo, à gramática.”

“Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma esplêndida carreira de pintor. Eu fora desencorajado pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2.”

“Meu desenho é, seguramente, muito menos sedutor que o modelo. Não tenho culpa. Fora desencorajado, aos seis anos, da minha carreira de pintor…”

 

2 – A IMAGINAÇÃO – CONSERVAR A CRIANÇA EM NÓS: criar sentidos, ir além do imediato, da realidade dada, fechada. A imaginação cria, abre possibilidades, para o novo, para ir além do que está aí já posto.

A criança, o filósofo, o utopista, recusa o que está aí, como dado para sempre, imutável…

“Olhava pois essa aparição com olhos redondos de espanto.”

“O carneiro está dentro da caixa.”

 

3 –UMA CRÍTICA DURA AO MUNDO DOS ADULTOS – OS ADULTOS SEM SONHOS:

O MUNDO SE TORNOU ADULTO DEMAIS – SEM IMAGINAÇÃO, SEM CRIAÇÃO, SEM INVENÇÃO – O mundo dos adultos, ou como os adultos vêem o mundo de forma empírica, factual, que só constata o que eles veem de imediato. Pelo filme, a mãe planeja tudo para a filha, que não pode errar, sendo que o erro, que é evitado, é o que ensina, o que desenvolve para o certo. O mundo da mãe, dos adultos, é um mundo cinzento, em que tudo já está planejado, organizado, padronizado, igual, repetitivo, sem espaço para o acaso, para o novo, para o diferente, para a criatividade;

O adulto parece estar sempre ocupado, sempre trabalhando, sem tempo para o outro. Ele tem tempo só para o trabalho. Ele só trabalha, que quase desaparece, só falta desaparecer para outras coisas, para a vida, para a natureza.

Há uma frase do velho Piloto que diz: “Os adultos são estranhos.” “Ser adulto não é o problema” “O problema é esquecer”. Esquecer que há uma criança também no adulto, que criava, que imaginava, que vivia com o pouco e era satisfeita, feliz. O próprio Piloto se torna adulto, velho, mas ele não esqueceu o “Pequeno Príncipe”, o que este ensinara para ele, as suas imaginações, as suas criações e recriações.

 

4 – DAR VÔOS – SAIR DA GAIOLA, DA CAVERNA, SAIR DO NOSSO MUNDO, PARA CONHECER OUTRAS PESSOAS, OUTROS MUNDOS: O Piloto viaja no seu avião, conhecendo outras realidades, outras culturas.

No reduzido planeta do Pequeno Príncipe, só há ele e a sua Rosa, a sua amada. A Rosa era linda e vaidosa. O Pequeno Príncipe e a Rosa se amavam. Mas, eles eram jovens demais para saberem como amar. Daí, o Pequeno Príncipe saiu do seu pequeno planeta, para conhecer outros mundos, outras coisas, outras pessoas, para, depois, voltar e conhecer melhor a si mesmo, o seu próprio planeta e a sua Rosa, a sua amada;

“Voei, por assim dizer, por todo o mundo.”

 

5 – O MEDO DE DAR VÔOS, DE SAIR, DE VIAJAR: ISTO PODE DAR MEDO – A SENSAÇÃO DO MEDO:

“Estou com medo”. Mas, o medo é necessário, para errarmos, para experimentarmos, e crescermos, aprendendo com os erros. Ter medo é normal, é necessário, diante dos desafios, diante das dificuldades;

O erro, o fracasso, serve para fortalecer os nossos sonhos.

 

6 – AS REPRESENTAÇÕES DE COMO NÓS SOMOS INCOMPLETOS: O HOMEM REI, O HOMEM VAIDOSO E O HOMEM RICO. Durante a viagem, o Pequeno Príncipe conhece outros planetas, nos quais havia vários tipos de homens e de coisas. Num mundo, conheceu um homem rei, que achava que podia tudo, até se impor sobre a natureza, sobre o sol, as estrelas, etc., não percebendo os limites do seu reinado. Num outro mundo, conheceu o Pequeno Príncipe um homem vaidoso, que vive só na aparência, de aplausos, de palmas, sem saber conviver com as críticas, com as adversidades. E, por último, um outro mundo, em que conheceu o homem rico, capitalista, que só conhece a quantidade, e não a qualidade das coisas. Mas o valor das coisas não está na quantidade, nos números. A maioria não conhece o valor do outro, o valor das coisas.

 

O AMOR ENTRE O PEQUENO PRÍNCIPE E A SUA BELA ROSA: O PEQUENO PRÍNCIPE É UMA MENSAGEM DE AMOR LAICO, NÃO RELIGIOSO

 

7 – É O CATIVAR QUE CRIA LAÇOS, RELAÇÕES FORTES ENTRE AS PESSOAS:

Durante a viagem, o Pequeno Príncipe conhece vários animais, dentre esses a Raposa, que é um animal da experiência, um animal astucioso, hábil, ágil, um animal da esperteza diante do mundo. O Pequeno Príncipe quer brincar com a Raposa. Esta, a Raposa, diz ao Pequeno Príncipe que não pode brincar com ele sem antes ele a cativar. Ela não pode ainda brincar com ele, porque ele ainda não a cativou.

CATIVAR é ter acesso ao outro, para ter a confiança do outro, laços com o outro.

CATIVAR é cultivar o outro, é criar laços com o outro, que gosta, que o ama, para ter a lealdade, a confiança, do outro.

Sem o CATIVAR, sem laços com o outro, há cem mil outros, indiferentes, de forma que cada um não tem necessidade do outro: eu não tenho de ti, nem você de mim.

CATIVAR é ser cativo, de lar, é trazer um para o lar do outro, para dentro de si, para dentro da sua casa, para dentro da tua redoma, fazendo parte de si….

CATIVAR é trazer alguém para o nosso conforto, para o nosso aconchego, para o nosso habitate.

CATIVAR é trazer para a casa, construir esse espaço caseiro para os dois, onde tudo acontece, brincadeiras, amor, engajamento pelo outro. Precisamos de um mundinho nosso, de nossa casa, de nosso mundo. Nessa casa, em que o outro é acolhido, em que um acolheu o outro, temos proteção, aconchego, compromisso. Um cativando o outro, trazendo o outro para o seu lar, então um é também a casa do outro, do seu lar, do seu ambiente.

CATIVAR não é: se mantendo externo, à distância, arredio, sem compartilhar, sem participar o espaço do outro consigo.

CATIVAR é trazer um para o habitate do outro, para o seu lar, para a sua casa, para o seu mundo; é tê-lo perto do seu mundo, e não se mantendo alheio, distante do outro.

QUANDO ALGUÉM É CATIVADO, ELE É ÚNICO PARA O OUTRO.

TORNAMOS O OUTRO ÚNICO PARA NÓS, QUANDO CATIVAMOS O OUTRO, ACOLHENDO O OUTRO PARA DENTRO DA NOSSA REDOMA, PARA O NOSSO MUNDO.

TEM QUE CATIVAR, SENÃO PERDE O OUTRO.

A Raposa diz, sabiamente: “Se tu me cativas”, “teremos necessidade do outro”.

A Raposa diz ainda: “Se tu me cativas”, “serás para mim o único no mundo”, não mais um entre outros e outros. O único quer dizer que é específico, que é especial, que é diferente, e não indiferente, como qualquer outro, como qualquer um.

E a Raposa diz ainda: “E eu serei para ti a única no mundo”.

 

8 – PARA CATIVAR ALGUÉM, REQUER DEDICAR TEMPO PARA ESTE ALGUÉM, PERDER TEMPO COM ESTE ALGUÉM, PARA QUE ELE, OU ELA, SE TORNE ÚNICO, OU ÚNICA:

Nas suas viagens, o Pequeno Príncipe conhece um mundo, em que há várias rosas, um mundo cheio de rosas, iguais a sua amada Rosa. E ele pergunta as rosas; “Quem sóis?”. E as rosas respondem; “Somos rosas”. E ele fica bastante triste, deprimido, ao perceber que a Rosa dele era comum, igual às outras rosas. Que a Rosa dele, a sua amada Rosa, não era a única de sua espécie em todo o universo.

O Pequeno Príncipe diz: “Os homens do seu planeta cultivam milhares de rosas”. “Mas, não encontram aquilo que procuram”. Cultivamos muito, e não cativamos uma única, específica. Cativar é amar, cuidar, olhar com profundidade algo ou alguém.

Daí, veio a Raposa e disse ao Pequeno Príncipe: “Mas, ela não é uma Rosa comum. Ela é a tua Rosa” E a Raposa acrescenta: “Foi o TEMPO que perdeste com ela que fez tua Rosa tão importante”, única, exclusiva. Pois: “O que buscamos, poderia ser encontrado numa só rosa.”

Portanto, duas coisas são importantes numa relação de amor, ou de amizade:

 

  1. a) CATIVAR – é criar laços com uma pessoa. Assim, ganhamos a confiança, a lealdade dessa outra pessoa cativada e
  2. b) O TEMPO QUE PERDEMOS COM O OUTRO, O TEMPO QUE DEDICAMOS AO OUTRO: a ponto de fazermos o outro não um outro comum, um outro alheio, qualquer, indiferente, mas o teu outro, o outro exclusivo.

É o TEMPO que perdemos, que dedicamos ao outro, que fazemos, que tornamos o outro exclusivo para nós, importante para nós.

Quando “perdemos” tempo com o outro, com a nossa Rosa, a cativamos, a fazemos importante, única, e aí a conhecemos melhor.

 

9) CULTIVAR MAIS O SENTIMENTO, O AFETO, O EMOCIONAL, O CORAÇÃO, A SENSIBILIDADE, POIS, QUANDO ESTAMOS BEM NO SENTIMENTO, NO EMOCIONAL, SEGUROS NO AMOR, TRABALHAMOS MAIS, TEMOS MAIS FORÇA, VIGOR, PARA VIVERMOS MAIS FELIZES: O CORAÇÃO, A SENSAÇÃO, O EMOCIONAL, VÊ MUITAS COISAS, COISAS QUE OS OLHOS E A RAZÃO NÃO VEEM:

E a Raposa diz um segredo ao Pequeno Príncipe: “Só se vê bem com o coração”. E: “O essencial é invisível para os olhos”.

Devemos cultivar o nosso sentimento, o nosso afeto, o nosso amor pelo outro. Pois, só por meio do sentimento, do afeto, do amor, pelo outro, é que vemos o essencial no outro e nas coisas. Se não temos sentimentos, afeto, sensibilidade, amor pelo outro, não captamos o essencial do outro, das coisas. E vemos só a capa, a casca, a concha, mas não o invisível, o interior, o interno.

E a Raposa ainda acrescentou: “O essencial é invisível para os olhos”. “O mais importante é invisível”.

Vê-se melhor o outro, quando a gente tem sentimento, afeto, amor pelo outro. E, quando vemos o outro pelo sentimento, pelo afeto, pelo amor, nunca nos sentiremos só, pois temos sempre o outro conosco.

O Pequeno Príncipe descobriu o sentimento que ele tinha pela Rosa dele e passou a valorizá-la, a reconhecê-la como única. O amor torna as pessoas, as coisas, únicas. A Rosa do Pequeno Príncipe não é única. Foi o amor dele pela Rosa dele, que a tornou única.

O Pequeno Príncipe volta ao seu pequeno planeta e encontra a sua Rosa murcha, seca, morta. Ele não chora e diz: “eu amo a minha Rosa, e ela me ama.” E ele diz ainda: a minha Rosa “não era uma Rosa comum”. “Ela era a única Rosa da sua espécie, em todo o Universo.”. “Ela ainda está aqui”. “Mas, só podemos ver com o coração”. “O essencial é o invisível para os olhos”. Ela “sempre estará comigo”. “Agora eu entendo”: “Eu não esquecerei a minha Rosa.”

 

Eduardo Chagas

Eduardo Chagas possui Graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (1989), Mestrado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (1993) , Doutorado em Filosofia pela Universität Kassel (Alemanha) (2002) e Pós-Doutorado em Filosofia pela Universität Munster (Alemanha) (2018-2019). É professor efetivo (Associado 4) do Curso de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Ceará - UFC, professor do Programa de Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO) e professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da FACED - UFC. Atualmente, é Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq (PQ nível 2); é Editor da Revista Dialectus (http://www.revistadialectus.ufc.br/index.php/RevistaDialectus/about/editorialPolicies#sectionPolicies). E dedica suas pesquisas ao estudo da filosofia política, da filosofia de Hegel, do idealismo alemão e de seus críticos, Feuerbach, Marx, Adorno e Habermas. Outras informações acesse a homepage: www.efchagas.wordpress.com. É membro da Internationale Gesellschaft der Feuerbach-Forscher (Sociedade Internacional Feuerbach).

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Eduardo Chagas possui Graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (1989), Mestrado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (1993) , Doutorado em Filosofia pela Universität Kassel (Alemanha) (2002) e Pós-Doutorado em Filosofia pela Universität Munster (Alemanha) (2018-2019). É professor efetivo (Associado 4) do Curso de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Ceará - UFC, professor do Programa de Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO) e professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da FACED - UFC. Atualmente, é Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq (PQ nível 2); é Editor da Revista Dialectus (http://www.revistadialectus.ufc.br/index.php/RevistaDialectus/about/editorialPolicies#sectionPolicies). E dedica suas pesquisas ao estudo da filosofia política, da filosofia de Hegel, do idealismo alemão e de seus críticos, Feuerbach, Marx, Adorno e Habermas. Outras informações acesse a homepage: www.efchagas.wordpress.com. É membro da Internationale Gesellschaft der Feuerbach-Forscher (Sociedade Internacional Feuerbach).