BOLSONARO NÃO “DILMOU”, por Emanuel Freitas

Chegamos ao fim da segunda semana dos longos quatro anos de governo de Jair Bolsonaro (PSL). Operando um recorte de leitura nas análises, quase 9 em cada 10 referem-se a um certo “não ter descido ainda do palanque” como atitude primordial do presidente. Sobretudo, ao se tomar como córpus de análise seus dois discursos de 1º de janeiro, ainda se referindo aos “petistas” e ao suposto “socialismo”. Pois bem, para mim reside, aí, uma tacada de mestre (ao menos por agora) de Jair.

Parte considerável do pensamento político, sobretudo o relacionado à “teoria política” mais do que à “ciência política”, insistiu na exigência de que, nas democracias de massa, as “urnas” governassem, no sentido de que os governos correspondessem ao prometido durante as campanhas eleitorais. Nesse sentido, podemos aqui lançar um episódico paralelo entre Dilma Rousseff, em 2015, e Bolsonaro, em 2019.

Antes, pensemos:

O que significa “descer do palanque” ou “sair da campanha”?

Vir ao real, dizem. É justamente esse o “real” de Bolsonaro e, portanto, para seus eleitores e sua claque. Uma realidade formada por globalismo, ideologia de gênero, marxismo cultural, despetização, direitos humanos para humanos direitos, urgência na legislação sobre posse de armas, saudosismo militar etc. Se há nomeações de amigos e parentes, pouco importa para sua claque: desde que não sejam petistas, tudo vale. Ataques à “grande imprensa”, como fez por meio do twitter, também são válidos, pois esta quer mesmo é “voltar à mamata”.

Bolsonaro permanece no palanque, não passando um só dia sem comunicar-se com seus áulicos por meio das redes sociais, espaço por excelência de onde se produziu como o “mito”.

Se voltarmos à 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma, veremos uma presidenta completamente fora do palanque; melhor dizendo, uma presidenta “tomando de assalto” o palanque de Aécio Neves (PSDB), tal era a ruptura de seu iniciante segundo governo com aquilo que havia dito e prometido em campanha.

Além de “sumir do mapa”, deixar de comunicar-se com a nação que a elegera (bem ao contrário do atual presidente), Dilma ainda havia pintado um quadro econômico que não correspondia ao real, aumento do descrédito de sua figura já bem antes do governo ter início, como medidas impopulares aos montes. Falou de “ajuste” tal logo assumiu o governo, defendendo, assim, as bandeiras dos adversários, que tanto rebateu durante a campanha. Cortou direitos que, segunda ela, não seriam cortados nem com uma “tosse” da vaca. A vaca foi ao brejo e levou Dilma junto. Como Bolsonaro nada prometeu de concreto, sobretudo no campo da economia, vai distraindo seu eleitorado com ações no campo ideológico e, aquilo que fizer “está no rumo certo”, para seus defensores. E, na economia, segue-se fazendo o prometido: cortes, sinalização de privatizações, reforma da previdência. Também o fim da Justiça do Trabalho, para facilitar a vida dos patrões, fora prometido; o fim do Ministério da Cultura. A “desideologização” do MEC (na verdade, a ideologização travestida de “des”).

Dilma saiu vitoriosa com pouco mais de 4% de votos válidos; Bolsonaro, mais de 10. Dilma começara 2015 já com desgaste da Lava-Jato; Bolsonaro tem os principais nomes da Operação em seu governo, o que lhe garante uma permanente autocampanha “contra a corrupção”.

Para completar o quadro, e não deixar Bolsonaro descer do palanque, o PT oferece-lhe dois presentes: a crise de segurança que assola o Ceará, cujo governo é de Camilo Santana e dos Ferreira Gomes (portanto, atinge petistas e Gomes no mesmo “tiro”); e a ida de Gleisi Hoffman à posse de Maduro, na Venezuela. Nada melhor para incitar discursos inflamados no bolsonarismo.

Como se vê, ao contrário de Dilma, em 2015, o Bolsonaro que chega ao poder não “rompeu com suas bases” nem com seu discurso de campanha. Insistir que ele “desça”, como tem feito parte considerável de nossa ilustrada opinião pública, não ressoará, pois ele foi eleito, mesmo, para fazer o que prometeu.

Se ele descer não terá nada a fazer em Brasília. Foi o que fez Dilma: desceu e “caiu” no palanque de Aécio, cumprindo a agenda prometida por ele.

Bolsonaro não dilmou, para alegria de sua claque. Para nossa tristeza.

 

 

Emanuel Freitas

Professor Assistente de Teoria Política Coordenador do Curso de Ciências Sociais FACEDI/UECE Pesquisador do NERPO (Núcleo de Estudos em Religião e Política)-UFC e do LEPEM (Labortatório de Estudos de Processos Eleitorais e Mídia)