A democracia não elimina os conflitos, só uma cultura autoritária [hierárquica, autocrática, teocrática, militar] pretende anular os conflitos. Quando matamos os conflitos matamos a política e implantamos o totalitarismo. Com a democracia não resolvemos tudo, não eliminamos os antagonismos, numa democracia se negocia as diferenças e os antagonismos. Todavia, não eliminar os conflitos não é o mesmo que estabelecer um comportamento de guerra. Na guerra se elimina o outro, se elimina a diferença, porque a lógica da guerra impõe um jogo de soma zero onde ou se ganha tudo ou se perde tudo, se vive ou se morre. Portanto, não é democrático querer estabelecer a ordem eliminado nossos adversários, pois estaremos provocando a negação da política, estaremos apostando na guerra de todos contra todos, já que não podemos eliminar os conflitos e nem os antagonismo inerentes a convivência social. No Brasil, nossa cultura política [de direita, de extrema direita, centro e esquerda] é autoritária, embora o autoritarismo seja efetivado em graus diferentes e fundamentado em matrizes ideológicas diferentes de um mesmo padrão civilizador: o projeto burguês de modernidade.
Quando Bolsonaro diz que estamos em guerra e, portanto, que seu governo vai metralhar ou eliminar fisicamente seus adversários, ele pratica uma atitude totalitária onde afirma claramente a promessa de eliminação do outro e das diferenças. E o silencio das nossas instituições e a naturalização com que a sociedade aceita tais declarações e até mesmo as replica em suas redes sociais, pode ser um indicativo de certo grau de autoritarismo social, uma aposta perigosa da intolerância que reflete a sedimentação de uma cultura autoritária.
A condenação de um pensamento crítico, como o do Pedagogo Paulo Freire, que com sua Pedagogia do Oprimido defende uma educação plural e não bancaria, com o objetivo de impor uma “doutrina chamada Escola Sem Partido”, ou seja, uma doutrina bancaria de lavagem cerebral para produzir mentes tiranas formatadas na arte de eliminar as diferença, nos indica que estamos diante de um ato perigoso de atentado a dignidade humana.
A cultura autoritária, da qual Bolsonaro é um catalizador nesse momento político de nosso país, é de caráter sacerdotal e militar fundamentada na crença de que existe uma verdade única e absoluta da qual eles são portadores. Assim, se eles são os únicos portadores da verdade, as diferenças e a visão de mundo dos outros só pode ser mentira e como mentia não pode existir, cabendo a eles, como justiceiros, eliminar os mentirosos e fazer uma limpeza racial e cultural em nome da nação e de Deus, que, em última instancia, são eles mesmos. Essa doutrina totalitária os cegas a ponto de não perceberem que se eles e outros existem e suas existências são marcadas por diferenças, eles são os outros dos outros. Logo, porque os outros ao olharem para eles, pelo principio da igualdade, não teriam o direito de lhes eliminar, já que serão percebidos, também, como diferentes? Porque o totalitarismo nega a possibilidade de ser tratado como igual pelo diferente. Um mente totalitária não suporta que alguém – que ele considere inferior, diferente: negro, índio, pobre, mulher, judeu, homossexual, lésbica, deficiente físico, entre outros -, possa lhe dizer: “sou igual a você, sou diferente.” Por isso, acha que o outro é um subordinado, não pensa que pode ser tratado da mesma forma que trata o outro, ou seja, com violência. Diante desse fato, somos desafiados a busca de alternativas em outras racionalidades, precisamos fazer um giro decolonial.