BAD AND GOOD EDUCATION

Numa manhã de domingo, como todas as manhãs deste dia, escapei das celebrações devidas a Baco e às amizades cúmplices. Vi-me de cara, defronte da tevê e de uma série insólita, “Bad education”.

O “script” fez-me transportar à pátria comum e revolver alguns registros e lembranças de ambiciosos projetos educacionais que deixaram a sua marca indelével por aqui. Ou por terem sido iniciados ou por terem sido interrompidos.

Serei prudente e discreto, no entanto, na medida das conveniências que as ações de políticas públicas e privadas reclamam, em deferência a uma patriótica associação da educação patrocinada, no Brasil, entre o público e o privado.

Na série “Bad education” fica à mostra a corrupção compartilhada nos escalões executores do sistema escolar americano. Na história, o diretor de uma escola pública, consultores e assessores imediatos ou mediatos, cedem aos desafios e aos apelos do empreendedorismo e à sedução das novas tecnologias educacionais, e excedem-se em concessões pouco éticas aos fornecedores e empresas contratadas para obras. Rolam grana de doadores ricos, dotações públicas generosas e investimentos privados. Um sistema de controle financeiro pouco atento, cheio de indulgência para compartilhar com terceiros algumas vantagens correntes, deixa passar desvios e irregularidades singulares e plurais que geram dispêndios excessivos e fora de controle, como se vê neste filme.

O reconhecimento pela eficiência dos administradores e os ganhos evidentes de um processo de gestão muito bem sucedido parecem virtudes exemplares que fecham os olhos dos administradores para as irregularidades de alto-custo e de franca negligência em relação aos controles fiscais e financeiros. Condenados pela justiça, o diretor e os funcionários responsabilizados, recebem, no filme, pena severa. Mas não perdem o prestígio, ainda que réus e condenados. Continuam admirados e apoiados na comunidade, pela sua reconhecida capacidade gerencial e os excelentes níveis de relacionamento com o sindicado de professores e pais de alunos. Um caso modelar de perdão de culpa comprovada amparado pelo unânime reconhecimento de comprovada eficiência na execução de um ambicioso projeto de prestígio escolar. A escola, passa a ocupar o primeiro “rang” das melhores escolas públicas do Estado.

No Brasil, percebe-se esta inclinação pela impunidade de réus confessos, graças às relações úteis mantidas com grupos de interesses políticos, com a indulgência da sociedade, dos órgãos de classe e das influentes corporações e com os canais formais da justiça.

A eficiência administrativa, associada ao recolhimento sob a sombra de convergências ideológicas e políticas, exerce, no Brasil, uma certa magia e sedução sobre a justiça, os partidos e movimentos sociais que os há em todos os setores da aparelhagem para o êxito de uma governabilidade garantista.

O sistema educacional brasileiro padece, de décadas a esta parte, de um certo olhar permissivo e impulsivo, carregado de solidariedade, admiração e tolerância com gestos escusos à conta de bons resultados gerenciais comprovados.

Ainda assim, é possível apontar projetos bem sucedidos na área pública e até mesmo na particular, no ensino básico — ainda um grande desafio a enfrentar — quanto no superior.

Desde o Estado Novo, com os “Pioneiros da Educação” e as suas bandeiras inovadoras, Anisio Teixeira, sempre lembrado, passando pela “Nova República” e a “Nova Universidade”, as novas ideias despertaram apoios modernizadores e reações consistentes.

A Igreja, as reações mais tradicionais do clero, as bases reacionárias de educadores provenientes de uma sociedade patriarcal e oligárquica, opuseram-se aos novos impulsos e às novidades pedagógicas que chegavam, por aqueles tempos, da Europa e dos Estados Unidos.

Desde então, um discurso rico de ideias renovadoras foi ouvido e, no mesmo passo das coisas provisórias, esquecido pelos governos e pelos zelosos agentes do Estado.

Os novos ímpetos das políticas públicas mais recentes demonstram mudanças animadoras. Ainda que contidas e amarradas por uma forma pouco animadora de confessionalismo ideológico.

O Ceará quebrou, na educação, no decorrer das últimas décadas, por sorte de ações públicas relevantes, a resistência exercida pelos velhos controles incorporados às práticas escolares, e rompeu com um pedagogismo orgânico burocratizado, que repetiu por toda a República, paradigmas de uma escola “risonha e franca” porém fechada ao sopro da ciência e dos novos tempos anunciados. Nenhuma dessas conquistas poupou, entretanto, a escola do acúmulo de utopias estocadas, muito menos do assalto ideológico, que parece condicionar e conter, senão domesticar, projetos e novas políticas educacionais.

No Brasil, parece, entretanto, não bastar a liberdade de criação para a formulação de novas teorias e ideias de uma ação pedagógica na escola: impõe-se o compromisso com greis e grupos ideológicos influentes, “coletivos” constituídos nos desvios de um processo democrático, republicano e representativo.

Até mesmo ao legislativo tem faltado, no plano federal, a iniciativa para a fixação de planos nacionais, quanto ao ensino fundamental e básico e de nível superior. Orçamentos e dotações para despesas relevantes são feitos a partir de ideias e bons projetos. Não se constroem projetos, nem se formulam ideias, por melhores que nos possam parecer, a partir de projeções cegas de planejamento de uma robótica gerencial, em gabinetes na esplanada dis ministérios.

Sem a convergência de participação plural requerida, pouco haverá a fazer: predominará, sempre, a força dos campos dominantes de inspiração ideológica, descaracterizando a liberdade dos professores e, no caso, imprimindo forte restrição às bases internas da autonomia da universidade.

O carisma de educadores e servidores das políticas públicas educacionais não se há de construir unicamente como reconhecimento da sua “eficiência” e “modernidade” orgânica, tampouco modelado pelos compromissos ideológicos originários.

Esta série, “Bad education” traz um quadro instigante próprio à reflexão sobre as entranhas do sistema escolar americano. Oportunidade rara, aliás, de um programa útil de televisão em rede fechada e, naturalmente, remunerada.

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.

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