Sobre Airton Uchoa

Escritor, leitor e sobrevivente.

Romance I

Comecei a escrever uma prosa extensa. Chamam isso, no ocidente contemporâneo, de romance. Escrevo. Feito qualquer outro trabalhador é provável que eu preferisse fazer nada. A rede é minha própria aranha amorosa: quero comer teu corpo cozido no teu leite,

Ensaio para um possível romance

Concebi o personagem numa situação de total impotência e imobilidade. Não costumo me importar com o interesse que as palavras que escrevo em sequência possam despertar no meu potencial leitor; o que me preocupa, neurótico, é como os poucos que

UM LEITOR DE THOMAS BERNHARD III

Eu sei que a declaração de amor, o verbo, sua alma, vai ficar só na garganta. O senso realista pede apenas a possibilidade de pedir perdão e a esperança cristã de um beijo casto, a despeito das vontades tão vulcânicas

UM LEITOR DE THOMAS BERNHARD II

Areia? Areias, era mais adequado no plural, por causa de um eco literário, passado distante, e por causa também do eco das próprias areias, sua migração, o vento. A palavra poderia ser estilisticamente corrigida, posta no plural mais significativo: os

UM LEITOR DE THOMAS BERNHARD

Não falo alemão; é um dos meus inúmeros defeitos: também nessa língua preciso contar com o talento, o bom-senso e a sorte dos tradutores; assim como preciso me conformar e não pensar tanto em que jamais saberei com cem por

GSQ

Foi no meu peito que a Rainha morreu;
Isso faz tempo, o trono posto, disponível,
Herdeiro nenhum; nem os aventureiros
De costume e tradição, apareceram
Aos portões já abandonados e sem respeito.
Nem os abandonados da vida desejavam
O Palácio; nem os revolucionários lembravam
De pôr fogo

Férias escolares

Temos pouco tempo. Os prazos mais longos são uma prova disso das mais eloquentes. Haveria uma eloquência no tempo? O tempo em si, a passagem cronológica e absurda de cada fragmento mencionável e a sua contagem, regressiva ou não, em

QUE MÁS QUIERES, QUIERES MÁS

Um homem bruto, do passado, hoje já morto. Diz que quando tinha raiva de tudo que não podia resolver quebrava os dentes, os próprios, dele, batendo pedras grandes contra a boca. Ele anda. O homem de quem ouviu falar ouviu

AS PEDRAS E OS DENTES

As pedras e os dentes, as pedras e os dentes, as pedras e os dentes. Ele caminha. Poderia ser uma mulher que buscasse no meio fio vestígios de plástico que pudesse acumular pensando em trocar por centavos. De grão em

O DESTINO, SUA ESCOLHA

“Quando eu ainda achava que escrever era uma prazer”, diz mais ou menos Michel Foucault quase no fim do seu curso inaugural em algum lugar importante do Ocidente, institucional, pesado, definitivo, responsável por discordar muito a sério das chamadas verdades

MARINHEIRO CORAÇÃO

Para ler Ulisses
O mar diante dos olhos
A gelada cerveja dos heróis
O hidromel
Gente professora
Aprendente como ensinante
Que vê ao longe
A linha divisória entre céu e mar
Tão bem definida como se desenhada
Abre os ouvidos para a leitura primeira
Abre a mente para a segunda
Abre