Meus leitores talvez não lembrem, outros nem nascidos eram, mas em 1992 uma jovem chamada Sevem Suzuki apresentava-se ao cenário mundial. Na ECO RIO daquele ano, subiu ela a tribuna e proferiu um discurso inflamado sobre a crise ambiental vivida. Naquele momento as pessoas imaginavam que as mudanças ocorreriam, “o mundo será salvo por estes jovens”, pensavam os otimistas. Hoje, 27 anos depois, Greta Thunberg encanta com um discurso contundente escancarando ao mundo as mazelas que nos consomem. Alguém que viveu ou ouviu falar de 1992 pensará: não vai servir de nada, apenas mais uns minutos de fama e tudo voltará ao que era antes.
Deveras, é preciso olhar para o fenômeno Greta com certa temperança, já que o mundo atual é alavancado pela ideia de consumo e satisfação dos prazeres individuais acima de tudo, uma sociedade hedonista que, por consequência, se transforma no motor da economia global. No entanto, e apesar de, precisamos compreender a presença de Greta pelas entrelinhas, como este fenômeno reverbera e aonde isso pode chegar.
Para os desavisados, Greta é uma jovem sueca com 16 anos de idade e carrega consigo, como formulou Kant, um imperativo categórico , “salvar o planeta”. Neste intento já realizou protestos, discursou no parlamento sueco, no fórum social econômico em Davos e recentemente foi à assembleia geral da ONU para discursar na Cúpula do Clima. Olhos atentos e reticentes, observam seus discursos e realizam conjecturas entusiasmadas ou desdenham da jovem. No entanto, algumas lições são possíveis observar.
Lição 1 – Mobilização social
A tecnologia trouxe mudanças relevantes à sociedade em todos os aspectos e espaços. Hoje, compreender como a sociedade se move e se mobiliza é de fundamental importância para os movimentos sociais e ativistas. Defender as causas no discurso, em palanques ou tribunas, não surte o mesmo efeito que em outros momentos. Para engajar pessoas, seja em qual causa deseje, necessita de ação. Quando as ações viralizam (palavra da moda), o povo se move e tem uma tendência a querer repetir em seus espaços aquilo que lhes chamou a atenção. Este fato ocorre desde o fenômeno do suicídio a partir de jogos difundidos na internet, assim como na venda de um produto, na proliferação de novas profissões, no acrescentar de termos à linguagem das pessoas e inclusive no ativismo social. Greta talvez não tivesse esta intenção, mas a sua ação inspirou diversas pessoas com culturas distintas, mas empáticas à garota.
Lição 2 – A presença ativa da juventude, o futuro é agora
Quando mais novo sempre escutava os mais velhos dizerem, vocês jovens são o futuro da nação. Aquilo sempre me inquietou porque se eu queria ser presente, por que o meu lugar de fala era descontruído? Por que me queriam inertes no presente, me apresentando o direito de existir apenas no futuro? É na juventude, nos ímpetos da idade, nas percepções e não-percepções que se constrói a identidade. Além disso, se o jovem não for propositivo agora nesta fase, como irá forjar isso no futuro? A fase adulta está geralmente atrelada a amarras sociais, matrimônio, filhos, emprego e outros. O jovem tem uma maior liberdade e nesta habita a construção do futuro, embora perigosa para adultos que aprenderam a se encaixar na sociedade e em sua dinâmica. Juventude é rebeldia, é transformação e só transforma quem tem a ousadia de inverter o curso do rio, de questionar a unanimidade, de correr contra o vento, Greta e tantos outros jovens são presente, são atores e atrizes sociais exercendo seu papel, ocupando espaços, construindo futuro, juventude é presente.
Lição 3 – Protagonismo feminino
Em meio ao debate feminista, os avanços e retrocessos que oscilam na sociedade sobre o direito da mulher e as questões relacionadas a gênero, ter uma mulher como protagonista é sempre um bom indício. Ainda mais importante se o protagonismo vem pela defesa de uma causa universal na qual pensariam conservadores: tal representatividade precisa de um homem de fibra, que aguente toda a pressão psicológica e física que isso pode trazer. É necessária uma presença que saiba se impor diante das adversidades, ou seja, a presença masculina que por natureza representa fortaleza e virilidade.
Quando uma mulher se apresenta como esta figura forte e obstinada, capaz de agir, ainda que sozinha, como foi o caso de Greta, mulheres a observam e entendem que ali está o papel delas. Obviamente não seria só isso o estopim para um levante feminista e uma guinada na conquista de igualdade de gênero e, por conseguinte o fim do machismo e sexismo. No entanto, e utilizando outra palavra da moda, Greta “inspira” mulheres e isso não deve ser relegado à segunda página da história.
Lição 4 – Articulação e engajamento internacional
As novas tecnologias e mídias sociais possibilitaram o movimento de uma garota em frente ao parlamento da Suécia se tornar algo global. As pessoas a cada dia se conectam mais com outros povos e culturas, se identificam com causas comuns, embora estejam distantes, e se articulam na defesa da mesma ideia. Se jovens de todas as escolas do mundo começassem a fazer greve todas as sextas e fossem à frente de seus prédios públicos, assembleias, parlamentos, câmaras para protestar, para propor mudanças, se isso dura o ano inteiro, imaginem a dimensão do ato, a reverberação causada. Existem questões globais urgentes e se faz necessário um engajamento na mesma dimensão. Pessoas e ideias diferentes se conectando, propondo políticas e ações, construindo algo amplo. Tudo isso parece utópico, mas, parafraseando Eduardo Galeano: a utopia serve para nos manter de pé, caminhando, seguindo em frente na busca do impossível! Existem possibilidades que ainda não sabemos a dimensão, a todo dia somos apresentados a um novo mundo e as descobertas acontecem na prática. Uma rede internacional de grande proporção articulada em causas sociais ou ambientais é possível, Greta talvez tenha nos ajudado a fortalecer esta ideia.
Lição 5 – Tecnologia e mídias sociais a serviço do bem
No Brasil, os últimos anos têm apontado uma dificuldade para a grande maioria dos brasileiros, se relacionar de forma positiva com as tecnologias e mídias sociais. Uma ruptura na proposição dialógica tem sido a tônica da presença e participação destes em tais mídias.
Bauman nos alertara para a liquidez que a contemporaneidade vive, e em um de seus aspectos a armadilha que as redes sociais nos impõem, nos deixam ferozes e incapazes da manutenção do diferente, partindo para a violenta exclusão do mesmo. Isso foi aquecido pela divisão política em que mergulhou o país, mas ainda que não a houvesse, poderíamos verificar este uso maléfico transbordado pelo racismo, homofobia, sexismo, conservadorismo religioso, intransigência ativista e outros. Assim, as tecnologias que poderiam aproximar cada vez mais distanciam pessoas. Uma viralização (palavra do momento), ocorrida por uma questão tão pertinente, deve ser um ponto de parada para análise de como estamos nos comportando diante do desafio que nos impõem os avanços tecnológicos. É possível agir de maneira produtiva e benéfica para si e para os outros nas redes sociais. Perceber como pessoas do mundo inteiro se engajaram na defesa de um tema, a partir de uma pessoa e de suas redes sociais ou da repercussão que as mídias sociais possibilitaram divulgando aos quatro cantos do mundo suas ações, nos provoca a pensar como estamos agindo e como podemos mudar esta nossa realidade. As mídias sociais podem ser grandes tribunas, ágoras de reverberações gigantescas a serviço da construção social coletiva e saudável.
Dentre os vários significados, a lição está designada a referenciar experiências vividas e aprendidas, conselho, ensinamento. Sendo assim, nenhuma lição é passível de êxito se não for estudada, analisada, debatida e não forjar novas ideias e pensamentos. As lições que Greta nos possibilitou refletir podem ser proveitosas, desde que tenhamos humildade e perspicácia para observá-las. E mesmo que isso pareça utópico, fico com Galeano, utopias são molas propulsoras e geradoras de energia para nunca desistirmos dos sonhos.