AS HESITAÇÕES DE JANOS E O PODER DO LEVIATÃ ****
A Teoria Geral do Estado fez época nas arcádias de direito, ao tempo do Estado Novo. Funcionava como uma variante explicativa e alternativa teórica às questões constitucionais e aos regramentos institucionais do direito constitucional.
A Ciência Política não tinha , ainda, “et pour cause”, carta de validade, pedágio seguro pois suscitava questões incomodas de legitimidade e formas de estudos comportamentais, de natureza empírica. De Ciência do Estado, seu campo de estudo ampliou-se nas vagas da invasão do behaviorismo nas ciências sociais, como “ciência do poder político do Estado. Os seus objetos de estudo e análise nasceram nos contrafortes da inteligência grega, com Aristoteles, passou por Maquiavel, criador do moderno pensamento politico, mereceu os cuidados de Rousseau, recebeu na pia batismal a designação que lhe deu Herbert Adams, Ciência Política, e incorporou como conteúdo e método a visão da democracia americana de Tocqueville.
Dessa corrente de talentos e de especialistas das entranhas do poder político, provém os cientistas políticos de maior projeção, americanos ou pesquisadores em universidades americanas; Robert Dahl, Harold Lasswell, Benedict Anderson, Samuel Huntington, Arend Lijphart…
“Um horror esses americanismos”, diria Chico Campos, o construtor dos atos institucionais, quando a pátria o reconvocou, em 1964, para dar cometimento aos impulsos democráticos que tentávamos copiar no Brasil. Seu trabalho nos anos 30, contornando os ritos constitucionais consagrados, valeram-lhe a auréola de ourives pela formulação de novos conceitos e pela construção de um sistema, tão forte quanto longevo foi o Estado Novo. A experiência de 64, mais de 30 anos decorridos, traria como provisão de uso imediato instrumentos mais sofisticados, no plano das leis e quanto aos mecanismos constitucionais “auto-instituídos”, que a alguns seriam “auto-legitimáveis” “sponte sua”.
Francisco Campos, bacharel de amplos recursos jurídicos, criou o modelo do Estado Novo, com as suas imunidades autoritárias, na década de 30. A parafernália da qual ele se valeu para a construção deste Estado de exceção com cara de modernidade, seria de boa serventia, três décadas depois, para a modelagem de uma estrutura de poder auto-instituído servida pelos atos institucionais e os complementares, espécie de legislação ordinária, reguladora dos AIs.
A Teoria Geral do Estado despertou nos juristas e homens das letras jurídicas, o interesse pelo juridicismo constitucional, mas não os ajudou a mergulhar com fôlego dobrado nas relações políticas de poder e influência e no comportamento dos cidadãos.
Não faltavam, entretanto, a essas criaturas de reconhecida ciência os aconchegos da filosofia e os brilhos de uma cultura bem cuidada. Na verdade, porfiavam pela elaboração das regras “constituintes” de um Estado forte. Parecia-lhes, contudo, inútil ou desprezível como busca ou curiosidade, que se procurasse construir o mapa das teias de relações que configurariam, na sociedade, as fontes reais do poder político e como elas se manifestam, a ponto de deverem ser disciplinadas por instrumentos normativos, largo espectro.
O “Estado Novo” e os “idos de 1964”careciam de normas e regras específicas, mas não de ferramentas inteligentes para que fossem entendidos os mecanismos do poder e as variações dos conceitos de poder e autoridade.
Foram os teóricos do Estado que, nos rastros da falência de Weimar e de posse das novas versões de um neoconstitucionalismo pós-moderno, deram forma e conteúdo aos governos autoritários habilitados entre nós, graças à nossa capacidade de adaptação. Ao invés de Weber, buscaram Gurvitch, ignoraram Faoro e recorreram a Buzaid, Gama e Silva e Carlos Medeiros, para a usinagem institucional dos novos arcabouços do Estado e o polimento das suas funções operacionais.
É verdade que a onda behaviorista, originada na psicologia e nos domínios da análise comportamental, dominaria, por mais de uma década, já nos anos 50, os estudos políticos nos Estados Unidos. Seus reflexos no Brasil contribuíram para a formação de uma categoria emergente, nas ciências sociais, os “cientistas políticos” a que os franceses chamariam de “politicólogos”, e a criação dos primeiros programas de pós-graduação em Ciência Política.
Maquiavel e Tocqueville, embora separados por quatro séculos, ampliaram a sua visão sobre as relações de interesse, poder e influência, na Corte florentina dos Medicis, e com os federalistas americanos. Cada um deles foi cientista político, em seu tempo, e segundo seus impulsos analíticos. A Maquiavel atribui-se a criação da Ciência Política.
A Universidade de São Paulo — USP, a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Candido Mendes, com o IUPERJ, foram os primeiros centros universitários a contraporem as pesquisas de campo ao ensino formal do direito constitucional. Esse desvio dos regramentos legais, emprestavam à Ciência Política mecanismos de trabalho que lhes parecia trazer prestígio científico à nova especialidade.
Os estudos de comunidade, a estatística e a observação empírica, a influência da antropologia e da psicologia trouxeram para esse prestigioso nicho de saberes despertados os instrumentos que faltavam para a fixação dos contornos do aparelhamento do Estado.
Justo e oportuno mostra-se o registro que passo a narrar, por oportuno e pertinente aos desvios que a ignorância pode suscitar aré mesmo rm mentes cultivadas.
Na década de 1968, convênio acadêmico celebrado entre a UFC e a Univerdidade de Wisconsin-Milwaukee, permitiu a realuzação de uma pesquisa que não chegaria a termo, sobre a classe de liderança do Ceará, com financiamento de uma prestigiosa agência de pesquisa acadêmica.
O projeto inscrevia-se, quanto ao objeto da investigação, nos termos metodológicos definidos, como uma pesquisa sobre o poder político, na perspectiva dos estudos comportamentais, importados pela ciência política americana e de outras países de forte tradição acadêmica.
Objeto de denúncias acondicionadas a interesses de uma certa militância vigilante, a pesquisa foi interrompida, encerrados os trabalhos de campo e, pelos cuidados do reitor da UFC tornou-se objeto de inquérito administrativo. Os órgãos de segurança e informações — estávamos nos anos 67/68, ao tempo do AÍ-5 — chamaram a si o acompanhamento do processo que buscava a caracterização de crime de “espionagem” e o envolvimento de professores da área de ciências sociais da UFC.
Sem provas, que não haveria como as construir, restou o relatório que escrevi com o professor Belsen Paulson,orientador do projeto, publicado em livro, sobre essas perigosas aventuras de um diligente reitor, desvalido de ideias e desprovido de boas intenções, reitor, à moda das divertidas aventuras de OO7…
Ao Leviatã, ao seu poder e à sua força, contrapôs-se Janos e mostrou as suas hesitações e uma enome disposição para clarear o processo complexo da formação das relações de poder, autoridade e influência na sociedade, matriz do pensamento político Weberiano.