AS CORES DO SOL

Carnaval de 2021. O silêncio das ruas de Recife e Olinda, plenas do vazio, provavelmente, tenha muito a nos dizer. Pessoas obrigadas a recolherem-se em suas casas. Esse cenário lembra o dizer do poeta paraibano, em 1968, “a vida não se resume a festivais”. É preciso celebrar com dignidade o luto e seus ensinamentos.

Existir é saber-se de si, mas é também saber do outro. Saber não apenas com a razão, mas com o sabor do coração. Sem o outro, nada existimos. Tanto o outro Natureza, agora expressa na vitalidade pandêmica de um vírus letal, como o outro Humanidade, padecente em sua vulnerabilidade existencial. É preciso saber de um e de outro.

“Por que você foi ver o Arco-Íris e não me chamou? Me diga, Menina, e fale do arco do céu, das cores do Sol!”, lembra outro poeta, o caruaruense.

Tudo pode ser negado, mas não o Ser. Qualquer que seja a definição dada nas diversas linguagens e culturas, a posição original do pensamento humano consiste em afirmar que o Ser é. Esta experimentação do Ser nos é oferecida por tudo o que nos está próximo, em volta de nós, ou em nós, bem como no existir das menores coisas, assim como o das maiores. No Sol e no Vírus. Na praça entupida de gentes ou nas ruas vazias. Tão iguais, tão diferentes.

Aqui está a maravilha de nossa experiência humana: o Ser em sua aparência reveste-se de Multiplicidade infinita. Variedade. Diversidade. Consequentemente, há um elo que liga tudo ao Ser, como as cores do Sol ligam-se todas ao seu astro-rei.

Para Chiara Lubich (1920-2008), uma das grandes expressões do pensamento humanista cristão do século XX, o elo que liga a multiplicidade entre si e ao Ser é o Amor. Para Lubich, o amor é a própria substância do Ser. Numa passagem do seu livro “Como um arco-íris” (Ed. Cidade Nova, 2016), a autora afirma: “O amor não é apenas um atributo de Deus, mas é o próprio Deus. Por ser amor, o Pai gera o Filho, perde-se nele, vive nele, fazendo de certo modo Não-Ser (Vazio), por ser amor, e justamente por isso Ele é Pai. O Filho, enquanto gerado pelo Pai, retorna por amor ao Pai, perde-se nele, vive nele, fazendo-se de certo modo Não-Ser (Vazio), por ser amor, e justamente por isso é Filho. O Espírito é justamente a reciprocidade do amor entre Pai e Filho, vínculo de unidade entre eles, faz-se de certo modo Não-Ser (Vazio), por ser amor, e justamente por isso é Espírito (Vínculo)”.

Como acentua o querido professor Carlos Rodrigues Brandão (comentando Marcel Mauss in “Ensaio sobre a dádiva”), somos seres obrigatoriamente recíprocos; nós criamos a experiência de sair de nós para cuidar dos outros. Criamos a obrigação da reciprocidade. Ou doamos nossos bens e ideias, ou morremos. Dar e receber implica não somente uma reciprocidade material, mas uma troca entre existências, subjetividades. Ao aceitar, o recebedor aceita algo do doador, aproximando um do outro. Por mais que elas variem, as dádivas sempre reiteram que para doar algo adequadamente, devo colocar-me um pouco no lugar do outro, entender em maior ou menor grau como este, recebendo de mim, recebe a mim mesmo.

Segundo o pensamento do economista Marcos Arruda, expoente da Economia Solidária no Brasil, não se criam estruturas novas, novas instituições e novas relações sociais com velhos seres humanos. Velhos somos todas as vezes que carregamos diariamente conosco a marca profunda da cultura do egoísmo, da competição predatória contra o outro, do consumismo desenfreado, do culto fetichista às máquinas, do materialismo vulgar que só reconhece a realidade visível e imediata. (Tornar real o possível. Vozes, 2006).

Gostaria de concluir com um trecho que li há tempos atrás de Lao-Tsé: “Uma casa é perfurada por portas e janelas, mas é o Vazio que nos possibilita a habitação. Apalavram-se falas e falam-se palavras, mas é o silêncio que comunica a linguagem. O Ser dá as possibilidades, mas é o Não-Ser que dá o Sentido”.

Que nesse Carnaval saibamos descobrir outras cores do Sol, outras cores em nós e entre nós. Para o nosso bem e para o bem de Todos.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .