A mentira era uma prática bem brasileira na política. Sempre foi. Associava interesses e os desmanchava.Enganávamos-nos uns aos outros na atividade comercial, quando os comerciantes não eram ainda empresários. Expertos de compra e vendas, eram apontados como negociantes e todos sabiam quanto nos roubavam no litro, no peso e na metragem.
Hoje, tudo parece ter mudado. Parece.
A mentira tomou nome americano, saído dos santuários dos puritanos de Nova Inglaterra, por onde foi inventado o “politicamente correto” para consolidar a respeitabilidade dos recém-chegados da Irlanda.
Esta filosofia hipócrita fez sucesso até mesmo por quem não a levou muito a sério. Ela traduz na sua ingenuidade perspicaz uma espécie de arrependimento tardio ou antecipado de quem, motivado pelos caprichos da vontade, pretendia alguma coisa e, tendo conseguido o seu intento, buscava limpar a cara das reprimendas sociais. Na verdade um jogo retórico, a exemplo das pregações religiosas para ovelhas desgarradas por índole e intenção… Todos ouvem, assentem e esquecem os protestos de adesão…
As “fake news” enchem a boca, qual um boquete francês, de pessoas acima de qualquer suspeita. Apontar um “faker” é afirmar a pureza de intenções de quem aponta o pecador. Denuncia quem pode, e a quem não falta o poder político para ser correto.
O “politicamente corrreto” é fórmula urdida lá pelo Maine, e onde houver republicanos em seus ninhos de haveres.
Como tudo no Brasil se burocratiza ou se transforma em uma estatal, é possível que, criado oficialmente o crime da mentira política, sejam instituídos os instrumentos para o seu adequado tratamento. Assim aconteceu com as eleições e a criação do sistema especializado de contar cabeças e eleger governantes, na versão que lhe demos desde o Império.
De tão sofisticado, este procedimento exemplar transformou o Brasil no maior gestor da contabilidade eleitoral do planeta. Somos, hoje, referência mundial como república movida a votos.
Logo virá, entretanto, uma inevitável burocracia para cuidar que mentiras não sejam mais proferidas e que, se ocorrer por esta falha indesejável por displicência da autoridade, que as medidas corretivas sejam adotadas nos escaninhos de novas leis, portarias, avisos internos, memorandos, papers,relatórios e os debates inevitáveis nos fóruns permanentes do coletivos setoriais. Enfim, um foro e uma burocracia para eliminar a ameaça das “fakes news”sobre a nossa frágil consciência política.
Como o hábito de mentir infelizmente é muito apreciado entre os brasileiros, anuncia-se complexa a operação de pega-mentiroso. A nossa experiência recente como o politicamente correto fracassou com a Lava a Jato, um incisiva operação de pega-ladrão. Por pouco o juiz Moro não foi apanhado, sob a acusação de ter condenado injustamente cidadãos considerados acima de qualquer suspeita. Ter escapada à fúria das bruxas não lhe vale de salvo-conduto para o futuro.
Criamos no Brasil um outro instituto jurídico no qual se encaixam os crimes futuros de prováveis infratores que deverão assim ter a sua pena aplicada preventivamente.
Os custos pouco interessam aos novos usineiros de doutrinas jurídicas, amplo espectro. Com uma penada presidencial, o país ficou rico novamente, como naqueles fartos anos dos governos “populares”. O teto de gastos veio por terra, o que já era tempo, afinal dinheiro oublico não exige condicionamentos anacrônicos. Só na fila de espera da lei Rouanet amontoavam bilhas para alimentar a sede dos brasileiros pela sua Cultura.
Então. A mentira, as fake news, as fake think estão com os dias contados. As notícias e croniquetas não serão as únicas a serem seguidas pelos olhos de lice do ministério da verdade.
E os livros e as conferências e as teses de doutorado, quem assegura que ali dentro não se escondam “fake knowledge” e “fake philosophy” ? E insinuações anti-democraticas?
Como afirmou o ministro, o demônio entrou no Brasil e criou logo as redes sociais e a internet por pura sacanagem. Urge fazer alguma coisa, um descarrego coletivo poderia ser útil, quem sabe? Ou um exorcismo seguro, dentro dos padrões ISO do Vaticano para males tão enojes.
Mentira, nunca mais!
Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.
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