Arcano Onze

Sob a sombra da tua ausência
Penso em nunca mais dormir
Até que o sono vem. Penso em
Já não comer e a fome assalta. A sede
Me surpreende com suas urgências
Uma correnteza inesperada me derruba.
Acreditei que esqueceria os dias
E me chamaram as obrigações de trabalho
E de dinheiro. Embora nada acumule
Contra a pobreza antes insensível
A pobreza de calor que em ti descarecia
E voltou a ser nudez interna de estômago sem nada
Agora consciente de sua natureza de fome. Eu
Preferi a sede e fiquei vazio como um pote
Sem água e sem eco. Já não posso te pedir
Pra voltar nem pra deixar que eu volte:
Acumulei um excesso de segundas vezes
E segundas chances. Quis de novo me dar
Como água de beber mas eu era mar salgado
Eu era mãe seca pai ausente prole ingrata
O sal que só preserva as coisas já sem vida
Minha pele de sal quis conhecer teu excesso de flor
Mas minha mente de sal não entendeu
A delicadeza da pétala e se perdeu em cálculos
Sem número. Movo meus olhos feito moedas sem valor
Pois perderam o lastro da tua imagem e terei que viver
Essa pobreza imprudente que escolhi sem pensar
Quando abandonei sem dizer nada as portas da riqueza
Que é tu — que as mãos largaram. Minha natureza de sal
Tua natureza de flor —
Esperam o vento de maneiras diferentes.

Airton Uchoa

Escritor, leitor e sobrevivente.

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