Em nossa jornada por essa estrada chamada vida, sempre vamos nos deparar com inúmeros sentimentos. Bons ou não, esse caldeirão que provoca diferentes e diversos conflitos em momentos diversos com nossa própria psiqué nunca vai deixar de ser uma característica que nos torna tão humanos.
Todo mundo certamente tem ou já teve sua história com a dor. Localizando num período ainda muito recente, com a pandemia de covid-19, esse sentimento que sempre tendemos a repelir geralmente não pode deixar de ser percebido ou sentido. E quando isso é traduzido em música, a identificação e o alívio terapêutico proposto por qualquer obra que nos faça compreender melhor o que fazer nessa jornada de aflição é sempre algo bem-vindo para nos acalentar.
Particularmente sofri isso tanto com a perda de um amigo muito querido no pior período da pandemia quanto por um problema de saúde na minha família em 2022 – que, felizmente, acabou bem. Nessa jornada recente, encontrei em alguns álbuns/canções muitas das respostas (por vezes, mais perguntas, pois a vida é questionamento!) que ajudavam a entender melhor e atravessar essas situações com mais compreensão, para também me descobrir forte quando deveria ser forte e frágil para chorar e botar pra fora quando assim era necessário – um exemplo de obra que me ajudou muito nesse sentido de alívio e autodescoberta foi o disco Survive, do Stratovarius, sobre o qual escrevi também aqui.
Agradável ou não, o tema “dor” é um assunto que não deve ser velado. A psicoterapia nos ensina que nossa saúde mental depende também de sabermos nos confrontar adequadamente com nossos problemas e medos para poder conviver com eles – e, claro, se possível, superá-los. E essa é uma das principais razões pelas quais aguardo com hype e expectativa o recentemente anunciado próximo álbum do Angra – banda brasileira sobre a qual já falei diversas vezes aqui na coluna.
Intitulado “Cycles Of Pain” (ou “Ciclos da Dor”), o novo disco chega em novembro deste ano com a promessa de ser altamente atualizado com o que aconteceu recentemente no mundo e tendo como protagonista justamente a dor, os ciclos pelos quais ela nos faz passar e, por fim, a desejada superação – ou até mesmo a resignação por algum fim indesejado.
Segundo o guitarrista/fundador Rafael Bittencourt, o disco terá “como pano de fundo os sentimentos, sensações e medos que vivenciamos em dois anos de isolamento social, bem como suas inevitáveis consequências”. Rafael, super antenado em histórias, narrativas e como estas se conectam, está sempre falando de um “Angraverso” onde os conceitos e histórias de cada álbum da banda se interconectam – essa ideia foi abordada pela primeira vez no disco anterior “Omni” (2018). Talvez tenha sido ao pensar nisso que, para instigar mais ainda a imaginação dos fãs de longa data, a banda fez uma arte de capa recheada de referências a álbuns e canções passados. Vejamos:
Os detalhes mais perceptíveis (circulados em amarelo acima) entregam referências a praticamente todos os álbuns anteriores. Listando aqui em ordem cronológica de lançamento, até o momento conseguimos identificar as seguintes referências:
- “ANGELS CRY” – os ramos de trigo presentes no canto inferior esquerdo remetem à capa do álbum de estreia da banda, onde a estátua de um anjo está num campo de trigo. Lá no canto superior direito também podemos ver duas aves voando, o que lembra o trecho “two eagles flying to be free” da canção “Reaching Horizons”, lançada como a primeira demo do Angra antes do primeiro álbum ser lançado.
- “HOLY LAND” – o colar utilizado pelo anjo da capa é a rosa-dos-ventos que ilustra a capa do álbum seguinte da banda. Se pensarmos também em referência a uma canção em específico, acredito que o “cocar” ao redor da cabeça do anjo caído possa ser uma referência a “The Shaman”, uma das melhores e mais misteriosas canções do Holy Land. O adereço na cabeça é muito similar a um indígena, e na letra da canção há um personagem que é um curandeiro, um místico, um médico da tribo. Imagino que, se o novo álbum fala da pandemia, isso deva se conectar certamente a alguma abordagem sobre a medicina (seja ela moderna ou antiga) e sua busca por uma cura em diversos meios.
- “FIREWORKS” – as chamas na parte inferior trazem forte alusão ao elemento fogo, presente na arte do terceiro disco.
- “REBIRTH” – em referência ao icônico disco de 2001, que trouxe a primeira grande mudança na formação da banda, observamos duas sutis referências: a primeira é a posição das asas do anjo, flexionando-se de forma muito similar às mãos do anjo da capa de “Rebirth”. A segunda, talvez pouco notada, é a fonte utilizada na grafia do nome do álbum: ela lembra em alguma coisa o mesmo estilo da usada no “Rebirth”, o que pode indicar também uma aproximação com a sonoridade deste disco. E indo até um pouco além, mesmo na temática isso faria bastante sentido, pois se entendermos que “Cycles of Pain” falará de dor, luto e recomeço é fácil ver a conexão com o tema do “Rebirth”, que contava justamente a história de um mundo que sofreu uma grande catástrofe e as pessoas precisaram reconstruir tudo para um “renascimento”.
- “TEMPLE OF SHADOWS” – o símbolo de Lúcifer no peito do anjo é idêntico ao visto na capa deste álbum. Além disso, também vejo uma conexão conceitual um pouco mais sutil: caso o novo álbum vá abordar alguma temática religiosa em relação aos grupos extremistas que negaram a covid-19, a ideia em alguma letra caberá perfeitamente com o tema principal do Temple Of Shadows, que era o fanatismo religioso que levou às Cruzadas do séc. XI na Europa.
- “AURORA CONSURGENS” – além da referência na imagem do coelho com asas, onde na capa do Aurora Consurgens os personagens seguravam em cada mão um coelho e um morcego, imagino que também possa haver uma ligação com o tema desse disco, que falava nas letras sobre questões como transtornos mentais e sentimentos extremos.
- “AQUA” – as referências mais diretas seriam a chuva e os trovões presentes no topo da capa.
- “SECRET GARDEN” – na testa do anjo existe um símbolo que é idêntico ao da fechadura que guarda a entrada para o jardim na capa do Secret Garden.
- “OMNI” – finalmente, a referência direta ao último álbum é o disco voador no canto superior direito da capa, pois se conecta com uma ilustração no encarte do Omni e também à canção “Travelers Of Time”.
Muita informação e mistério, não?
Mas uma coisa que já foi revelada como certeza foram as participações especiais no disco. E elas apontam também pra dicas boas a respeito da sonoridade do trabalho, indicando tanto a continuidade na ligação com a música brasileira quanto o passeio característico da banda por outras vertentes do heavy metal. Isso porque temos (já confirmados até a publicação desse texto) o cantor Lenine, a cantora Fernanda Lira (da banda Nervosa), Amanda Somerville (já conhecida do mundo metal por cantar no projeto Avantasia), Vanessa Moreno (um dos destaques mais recentes da MPB na última década) e o próprio ex-guitarrista do Angra, Kiko Loureiro.
Até o momento, temos aí um prato cheio de informações e muita expectativa por esse novo trabalho promissor da banda. Quem tá instigado pra esse disco?
Te vejo no próximo play!