ANÁLISE POLÍTICA DA TENTATIVA DE GOLPE INSTITUCIONAL NO BRASIL

Quando Bolsonaro, o ignaro, tomou posse na Presidência da República, em seu primeiro comentário ele disse: “pensei que tinha mais poder do que tenho”. A frase, que não teve grandes repercussões, é lapidar para demonstrar a sua incompreensão sobre o exercício do poder e o sentido absolutista que ele sempre quis dar ao ato de governar.

Em geral, os militares, que detêm a força das armas, e são treinados numa doutrina de poder vertical no qual “um manda e o outro obedece”, sem questionamentos à natureza da ordem a ser cumprida e de obediência cega ao cumprimento das missões que lhes são ordenadas pelos seus superiores hierárquicos, entendem que as suas vontades devem prevalecer sobre o interesse social que consideram menos importante.

Em parecer jurídico que formulei sobre as várias e sucessivas tentativas de golpe institucional para permanência do Presidente Jair Messias Bolsonaro no governo por ele próprio e seus correligionários contra o candidato adversário e, posteriormente, pelo eleito, Senhor Luiz Inácio Lula da silva, fiz o enquadramento penal dos crimes previstos na Constituição Federal e leis ordinárias penais e processuais penais, concluindo pela ocorrência de vários crimes por seus adeptos (alguns já apenados) e sob a orientação claramente manifesta dos arquitetos e mentores da cúpula governamental de tais atos.

Não vamos aqui voltar à análise jurídica já manifestada. Vamos tratar do móvel político da tentativa de golpe institucional no Brasil.

É próprio do éthos absolutista o arbítrio governamental. Os absolutistas entendem que são os seres iluminados sobre a condução dos governos e até  acreditam que o fazem no sentido de proporcionar o bem-estar social, e a partir de critérios de disciplina férrea e obediência ao que julgam ser o “correto a ser feito”; consideram-se seres iluminados que não aceitam o pensamento e argumentos divergentes.

Aprendem a positivar o negativo que lhes foi ensinado como critério absoluto da verdade, e prendem, torturam e matam em nome dessa mesma verdade absolutista. Como as abelhas, jamais modificam a forma e conteúdo da construção das suas concepções, com a diferença de que produzem fel ao invés de mel.

Bolsonaro, militar de baixa patente (formado na Academia Militar das Agulhas Negras em 1977), foi para a reserva militar em 1988, porque quando ainda tenente ousou se sublevar contra seus superiores que ao seu ver estavam “amolecendo” para os governos civis. Tal ocorreu em razão de que a polícia do próprio Exército reconheceu a sua caligrafia no plano de atentado aos quartéis e à represa de água do Guandu, que abastece o Rio de Janeiro.

O planejamento dos atentados imputados ao Tenente Jair Bolsonaro, lhe valeram uma condenação por 3 votos a zero no Conselho de Justificativa do Exército (com vazamento para a imprensa, revista Veja, na época), por sentença que considerou tais atos como ofensas à honra pessoal; pundonor militar e falta de decorro de classe, com correspondente envio ao Superior Tribunal Militar para processamento, que o absolveu por 9 votos a 4, por mero espírito de corpo miliar. Assim, foi para a reserva militar remunerada com a patente de Capitão do Exército.

Considerado desde antes pelo Presidente General Ernesto Geisel como “mau militar”, “fora do normal”, Bolsonaro sempre pertenceu à ala mais totalitária das fileiras do Exército, que por sua tradição de obediência hierárquica e filtros comportamentais de disciplina, obediência e discernimento ao papel  histórico militar de defesa do sistema ao qual estão vinculados e para o qual foram criados  na atualidade (defesa do sistema capitalista produtor de mercadorias), não mereceu, neste anos de polarização política brasileira, a adesão militar de cúpula aos seus evidentes interesses golpistas para permanência no poder caso perdesse as eleições de 2002, como de fato perdeu.

O espírito golpista e absolutista de Bolsonaro tem antecedentes que o qualificam como um aventureiro de quinta categoria; os militares e todo o establishment burguês sabem disso.

Além da falta de apoio dos comandantes miliares do Exército e da Aeronáutica (apenas o comandante militar da Marinha estava de acordo com o golpe planejado por Bolsonaro e sua turba), não havia clima entre as elites empresariais, políticas, religiosas (principalmente na Igreja Católica), do alto judiciário e da conjuntura internacional para um golpe institucional. Não vivemos o clima de guerra fria de 1964, entre capitalismo liberal e capitalismo de estado de então, apesar da reedição atual da guerra quente desse capitalismo em fim de festa.
Bolsonaro tinha apoio popular movido pela propaganda institucional e apoio das redes sociais acionadas pelo chamado “gabinete do ódio”, e teria dado o golpe institucional caso tivesse havido adesão miliar de cúpula, mesmo diante da possibilidade de um processo de guerra civil num país dividido e sofrendo as agruras de depressão capitalista mundial.
Bolsonaro foi o responsável pela anulação jurídico-processual técnica (sem julgamento de mérito) das sentenças condenatórias Lula pela institucionalidade burguesa nos processos recheados de facciosismo e ilegalidades processuais  da “operação Lava-Jato”, por conta das ameaças explícitas e estimuladas a cada domingueira em Brasília com gente clamando pela volta do AI-5; pela destituição dos Ministros do STF; pela volta dos militares ao poder com o fechamento do Congresso, e coisas que tais.

Lula provou ser o único capaz de derrotar Bolsonaro e nisso as elites institucionais brasileiras avaliaram bem e agiram no sentido de trazê-lo à disputa eleitoral, antes negada.  Lulas no cárcere, fora privado até mesmo de comparecer à presença do funeral de um irmão e neto falecidos, num ato de mesquinhez que bem demonstra do que o sistema é capaz quando fareja perigo.

A elite institucional brasileira e o mercado não gostaram de comportamentos acintosos e guiados por pessoas como:
– o guru aprendiz de feiticeiro e filósofo da Virgínia estadunidense Olavo de Carvalho de triste memória;
– gente iletrada como Abraham Weintraub no Ministério da Educação;
– um desqualificado diplomata de curta carreira como Ernesto Araújo no Ministério das Relações Exteriores a dizer sandices conspiratórias;
– da deslumbrada e mítica pastora evangélica Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, hoje senadora, Damares Alves;
– do Ministro (antiecológico) do Meio Ambiente e homem das porteias abertas para a passagem das boiadas e das madeiras na Amazonia, Ricardo Sales, hoje deputado;
– de um Ministro da Justiça que usou a toga de de juiz Federal para julgar em interesse próprio e se inflou como um Batman no orgulho inconsistente do prestigio midiático rápido e vulgar, hjoje Senador Sérgio Moro, entre outras figuras desabonadoras da relevância dos cargos por eles(as) ocupados.
O Brasil tem uma tradição de não punição de golpistas. Lula contemporiza com as Forças Aramadas e seu pusilânime Ministro da Defesa José Múcio Monteiro Filho, é o exemplo mais evidente de comportamento conciliador que alimenta, no Brasil, a certeza da impunidade aos golpistas de sempre.

Já há uma articulação de cúpula entre governadores e parlamentares de direita, e do próprio Jair Bolsonaro, de abandonar os seus cúmplices nas práticas criminosas tentando passar a ideia de isenção de participação naquilo que está sendo provado e comprovado por várias formas de provas em inquérito da Polícia Federal e imagens do conhecimento de todos, numa postura covarde capaz de enrubescer Tiradentes no túmulo.

O chefe da intentona golpista de 08 de janeiro de 2023, que se mandou do Brasil para os Estados Unidos temendo as consequências dos atos que planejara, agora se exime de culpa tentando tapar o sol com uma peneira.

É sempre assim, os ratos são os primeiros a abandonar o navio quando ocorre um naufrágio.
Dalton Rosado.

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;