“Mas é o legado acadêmico de Sergio Paulo Rouanet que restará definitivo para a inteligência brasileira, produção de que sobressaem como verdadeiros achados de sua aguda capacidade de análise do iluminismo e da modernidade, livros incontornáveis como “Mal Estar na Modernidade” (1993) e, já clássico, “As Razões do Iluminismo” (1987), um dos mais notáveis estudos levados a efeito em muitos anos sobre o conceito de razão a partir de Freud.”
Do amigo e meu eterno mestre Diatahy Bezerra de Menezes, veio, faz poucos dias, uma provocação, dessas que, do alto de sua importância como intelectual gentil e elegante, costuma me fazer: “Escreva algo sobre o Rouanet”.
Li sua mensagem e, ato contínuo, sentei-me à frente do computador para ‘dizer’, ainda que de modo canhestro, duas palavras sobre o filósofo e diplomata falecido no domingo, 3 de julho, aos 88 anos.
Em tempo, devo observar que foram Sergio Paulo Rouanet e Diatahy Bezerra de Menezes grandes amigos, razão por que pude perceber nas palavras do intelectual cearense indisfarçável emoção ao formular seu pedido.
Inicio por lamentar que Sergio Paulo Rouanet tenha sido, indiretamente, objeto de tanta celeuma nesses tempos sombrios, e que a lei de incentivo à produção cultural por ele criada durante sua passagem pela administração pública, como secretário de Cultura no governo Fernando Collor, matéria de descabido juízo por parte do atual presidente e sua gente, como forma de justificar o seu desapreço pela arte e pelos artistas brasileiros.
A propósito, ocorre-me lembrar de entrevista concedida pelo filósofo ao jornal Folha de S. Paulo em que deixou evidenciado o seu desencanto com a vida pública, pelo menos no que diz respeito à famosa lei, a qual, num exercício de fina ironia, qualificou de “equívoco”, como a relevar a importância da Lei Rouanet (oficialmente Lei Federal de Incentivo à Cultura 8.313/91) para os destinos da cultura brasileira no curso desses muitos anos. Para não falar, por óbvio, do seu impacto em, pelo menos, meia centena de outras atividades econômicas, sem descuidar de que careça de ajustes e aperfeiçoamentos pontuais.
Formado em Ciências Jurídicas e sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1955, Sergio Paulo Rouanet foi embaixador do Brasil em diferentes países, por último na Dinamarca, quando se aposentou. Atuou, em 1957, como secretário no Ministério das Relações Exteriores, notabilizando-se pela elegância no trato das questões internacionais mais delicadas, segundo depoimento de muitos de seus contemporâneos. Leitor contumaz, acumulou vasta cultura em diferentes áreas, dedicando-se a estudar com verticalidade a produção de pensadores como Walter Benjamin, Jurgen Harbermas, Michel Foucault e Freud.
Mas é o legado acadêmico de Sergio Paulo Rouanet que restará definitivo para a inteligência brasileira, produção de que sobressaem como verdadeiros achados de sua aguda capacidade de análise do iluminismo e da modernidade, livros incontornáveis como “Mal Estar na Modernidade” (1993) e, já clássico, “As Razões do Iluminismo” (1987), um dos mais notáveis estudos levados a efeito em muitos anos sobre o conceito de razão a partir de Freud.
Em “Riso e Melancolia” (2007), Sergio Paulo Rouanet supera-se como ensaísta. Fruto de sua reconhecida intimidade com a maior figura de nossas letras, o livro disseca as entranhas da obra de Machado de Assis para explorar suas relações com nomes “estranhos” à realidade brasileira, a exemplo de Denis Diderot e Laurence Sterne.
Esta a razão por que as raras incursões de Rouanet pelos campos da teoria literária ou da literatura em vernáculo, propriamente ditas, constituem contribuições importantes e ajudam a conhecer em profundidade nossas riquezas estéticas tanto quanto o fez, no conjunto da obra, no que respeita à filosofia, às ciências sociais e à história, sempre com elevado nível de sofisticação e rigor.
Seus artigos, resenhas e ensaios, fartamente publicados em jornais e revistas do Brasil e de outros países, em porção significativa, são citados em dissertações e teses sobre diferentes assuntos, com destaque para o embasamento psicanalítico que norteia algumas de suas mais relevantes contribuições, de resto presentes em livros como “Édipo e o Anjo” (1981) e o premiado “Os Dez Amigos de Freud” (2003).
Num país menos afeito às discussões rasteiras, a exemplo do Brasil de agora, a morte de um pensador como Sergio Paulo Rouanet teria por certo outra repercussão.
Que se desconheça, nos bastidores do atual governo, sua produção intelectual, é lastimável. Que seu nome figure em tacanhas considerações sobre arte e artistas brasileiros, como se vê, ao mesmo tempo feio e revoltante.
Mais pobre o Brasil sem Sergio Paulo Rouanet.