AI QUE SAUDADE !

Da nossa casa em Latadas … onde nascemos e fomos criados;
Da presença dos nossos pais;
Da comida na mesa da sala de jantar;
Das brincadeiras com meus irmãos;
Das calças curtas;
Dos pés descalços na poeira;
De andar em cavalo de talo;
Do meu jumento Rochedo;
Das quedas do meu carneiro Rafle;
Do leite mugido no curral;
Da segurança que sentia nos nossos pais;
Dos banhos de chuva;
Do dia em que completei sete anos;
Das debulhas de feijão;
Dos serões de trança e dos campeonatos de galo;
De tirar água na bomba do riacho;
De soltar pião de madeira;
Do trabalho no roçado;
De apanhar algodão de madrugada com meus irmãos e irmãs;
Dos banhos na lagoa do Cipriano Lopes com o papai;
De carregar palhas de carnaúba nos jumentos;
De bater olho na tolda;
Do cheiro da cera de carnaúba nas gamelas;
Das desmanchas de farinha;
Do trote do cavalo na bolandeira;
De espantar passarinhos;
Da dormida no galho da marizeira;
Do canto dos pássaros ao alvorecer;
Da garapa de rapadura com limão nos dias de jogo;
Do vento frio da noite;
Do clarão dos relâmpagos nas noites de chuva;
Do roncar dos trovões;
Da rede friinha com os respingos da chuva;
Das caçadas de peba com meu pai;
De tirar leite das cabras;
Dos banhos no rio Araibu;
Do canto do carão na lagoa;
Das pescarias de lata no córrego;
Da plantação de batatas no rio Pajeú;
De estender palha de carnaúba;
De fazer gaiola de talo;
Das estórias de trancoso do Marquês;
Do sabor das flores de melão Caetano;
Das conversas com as cabras;
Do quarto cheio de redes na hora de dormir;
Da vovó lavando os pés de cada um com água morna;
De pegar perdizes em arapucas no arisco;
De colocar canários para brigar;
De instalar fojo nas veredas de preá;
De ouvir as conversas do tio Pedro;
De espocar canapu na testa;
Das conversas com a natureza;
Da minha habilidade de imitar as falas dos animais;
Das conversas com o seu Moises sobre canários;
Do sorriso de canto de boca, mas acolhedor do papai;
Da determinação da mamãe nas lutas de casa;
Dos aforismos ditos por ela;
Da austeridade da dona Isaura ao nos ensinar;
Dos muxoxos da vovó;
Do gosto das carnaúbas pretas;
Do cheiro das melancias;
Do olhar penetrante e doce da Rosalie;
Da meiguice da tia Maria do tio Pedro;
Da luz da lamparina e dos vagalumes;
Das galinhas e dos capotes no terreiro;
Do farfalhar das folhas das carnaubeiras;
Da lindeza das netas do seu Quinco;
Do vento do Aracati;
Do “é, como se diz” do Zé Marques;
Da conversa na boca da noite do papai com os compadres;
Da brincadeira de trisca e do boi de cheirar;
Da descoberta da sexualidade aos quatorze anos;
Dos salgas dos últimos dias da escola;
Do seu Zezinho me chamando carinhosamente de “meu primo”;
Da alegria do papai na primeira chuva do inverno;
Da paciência da mamãe ao dividir o jantar;
De caçar beiju de coco no paiol de farinha;
Das noites de Natal no Rancho do Povo;
Do tempo de coroinha ajudando missa em Latim;
Da competência da mamãe em cuidar de todos nós e da casa;
Da coragem e do otimismo do papai.
…  …  …
AI QUE SAUDADE !
…  …  …

Gilmar Oliveira

Gilmar Oliveira, Professor Universitário.