A Vida Quer Coragem

Amigos e amigas me perguntaram o que acho da indicação de uma das atrizes globais de maior prestígio, Regina Duarte, para substituir o secretário de perfil goebbelsiano Roberto Alvim na pasta da cultura do governo Bolsonaro. Nada mais natural. Entra secretário, sai secretário, desde que a estrutura autoritária extrema-direita do governo mantenha-se seguindo o alinhamento a que se propõe, mantida pelos partidos golpistas de 2016, pelo capital financeiro e agrário, por setores das forças armadas e do judiciário, por igrejas e movimentos religiosos evangélicos e católicos, pela mídia hegemônica.

 

Regina,  além de ser garota-propaganda da Globo por quase 60 anos, é pecuarista. Agora será garota-propaganda de Bolsonaro. Com seu último marido, Eduardo Lippincot, são criadores da raça de gado Brahman, em Barretos, na região de Ribeirão Preto. Entre outras coisas, apoiou publicamente os representantes ruralistas na questão da demarcação de terras indígenas e quilombolas no estado de São Paulo. A revista “People With Money” avalia que seu patrimônio líquido pessoal é da ordem de R$300 milhões. Além disso, notabilizou-se pelo vídeo “TENHO MEDO”, publicado em apoio a José Serra na sua campanha presidencial em 2002, tendo sido derrotado pelo presidente LULA.

 

No referido vídeo Regina destacou seu medo de naquela eleição o Brasil vir a perder a estabilidade alcançada com a volta da inflação desenfreada. Além disso, dizia-se estar preocupada pelo fato de o futuro presidente ter de enfrentar uma forte pressão da política nacional e internacional. Por isso ela iria votar em Serra, porque este lhe daria – enquanto milionária – “a segurança de que precisava”. Nenhuma análise de conjuntura, nem mesmo sobre os enfrentamentos que o Brasil teria de assumir devido ao caos econômico que Fernando Henrique Cardoso estava deixando para quem o sucedesse. Regina produziu com aquele vídeo apenas propaganda de baixíssimo nível. Um pastelão.

 

Ela não foi capaz de frisar que o Plano Real foi o grande propulsor da eleição de FHC. Graças ao início deste plano, em 31 de dezembro de 1994 a taxa cambial registrava um dólar norte-americano custando apenas R$0,85 (oitenta e cinco centavos de real) e o salário mínimo valendo naquela mesma data R$70,00 (cerca de US$ 82,35). Mas quando comprou sua reeleição em 1998, FHC realizou o maior desmonte do patrimônio do Estado brasileiro, mediante o programa de privatização de empresas estatais, sendo incapaz de reformar o modelo econômico com vistas a reduzir a vulnerabilidade externa do Brasil e gerar crescimento. Concomitantemente, além de DUPLICAR a Dívida Interna, no governo FHC houve um AUMENTO SUBSTANCIAL DO DESEMPREGO, arrasando a vida de milhões de famílias brasileiras, além de colocar em xeque o Brasil,  devido à vulnerabilidade externa de sua política econômica. Após dois mandatos consecutivos do governo neoliberal do PSDB, em 31 de dezembro de 2002, FHC entregava o Brasil com o dólar custando R$3,63 (ou seja, com uma desvalorização cambial da ordem de 327%), o salário mínimo valendo R$200,00 (apenas US$ 55,09), significando por baixo uma perda de 37% do seu valor de compra. O cenário social e econômico sob o governo peessedebista se agravou em função da alta taxa de desemprego, com as reservas internacionais tendo chegado ao FUNDO DO POÇO de US$27,5 bilhões, forçando o Brasil a recorrer a mais um empréstimo ao FMI da ordem de US$ 30 bilhões, para não quebrar. Esta a herança deixada pelo governo neoliberal FHC. Regina nada disse sobre isso.

 

Eleito em 2002, o desafio do PRIMEIRO GOVERNO LULA foi o de implantar transformações capazes de reverter o quadro de instabilidade, alterando-o para um ambiente produtivo. Era preciso reduzir substancialmente a vulnerabilidade brasileira a choques advindos de fluxos de capitais estrangeiros e variação de preços; consolidar a estabilização da moeda que se encontrava sob a ameaça real; acumular reservas internacionais e poupança interna, recuperar a credibilidade do país externamente, para somente assim pensar em crescimento. Esta foi tarefa do PLANO PLURIANUAL – PPA 2004-2007 – orientado por uma estratégia de longo prazo, com premissas tais como inclusão social e desconcentração de renda, com crescimento econômico e ambientalmente sustentável, buscando reduzir disparidades regionais, dinamizado pelo mercado de consumo de massas e fortalecimento da cidadania e da democracia participativa. Fato histórico ocorreu em dezembro de 2005 quando o Presidente LULA decidiu ANTECIPAR O PAGAMENTO (em dois anos) de TODA A DÍVIDA BRASILEIRA com o Fundo Monetário Internacional: pela primeira vez o Brasil ficou livre de obrigações com o FMI. Sobre esta quitação antecipada, Henrique Meirelles, presidente do Banco Central de então, classificou a liquidação da dívida como “um momento histórico para o país: a medida reflete a solidez dos fundamentos macroeconômicos no período recente, como consequência das decisões de política econômica do governo do presidente Lula”.

 

Comparados com os números de FHC em 2002, em 31/12/2008, o governo LULA deixava o Brasil com reservas internacionais saltando dos pífios US$27,5 de FHC para US$ 206,8 bilhões; o salário mínimo subiu para R$465,00, que representam cerca de US$270,00, cinco vezes maior do que os US$55 do legado dos governos FHC. E o emprego crescendo a passos de gigante.

 

O gênio mineiro de João Guimarães Rosa, em seu clássico Grandes Sertões Veredas, diz que “a vida é assim, esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz. A vida inventa, porque a vida é mutirão de todos!”.

 

Regina não sabe o que é isso porque ela permaneceu trancada em seu medo.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .