No Brasil, o antagonismo supostamente ideológico faz a festa. Esquerda e direita tentam reinventar-se no que dizem e creem sejam interesses que as possam separar. Sim, interesses, pois as ideias não cabem nas mochilas “ideológicas” dos ativistas que se acusam mutuamente de “comunistas” e “fascistas”
Esquerda e direita se retroalimentam e constroem uma a outra, e dão-se notoriedade com o ódio que transformam em medo disseminado entre o povo, essa gente pobre e miserável que vive da esperança que lhe é oferecida pelos seus salvadores.
Lula, ao começar este terceiro assalto ao poder, de não se sabe quantos “rounds”, não supunha ter encontrado no seu antecessor o anti-Lula. Não que a Bolso sobrassem virtudes, a força e a engenhosidade para empunhar a Excalibur de Ricardo. Nem que um ou o outro sentasse à Távola Redonda e os 12 Cavaleiros. Ao contrário, até.
Bolso foi um parlamentar medíocre, fez o lobby mínimo das classes armadas, de ganhos e soldo, durante 28 anos e falou algumas vezes sobre assuntos que não o fizeram entender o que é, de fato, um liberal. Passou pelo Exército sem ter sido, segundo os padrões da honra e da aplicação castrenses, o oficial de escol: bom aluno, primeiro lugar, longe de ser um “triplo coroado”. Insurgiu-se por causas não sabidas — e voltou ao estado de espírito original, tornou à condição de “paisano”.
O medo acomodado do eleitor descobriu naquele capitão irrequieto feito deputado pela ascenção ameaçadora da “esquerda”, algumas astúcias e a palavra irreprimível de um discurso atrapalhado.
E assim foi-se construindo o estereótipo de uma ameaça nova, vinda do passado, o fascismo. E os epítetos seguiram o glossário de efeito, “genocídio, genocida, terrorismo”. Como contraponto foi ressuscitado o paradigma de “comunista”, mitigado pelas variantes semânticas do “progressismo”.
Repetiu-se a teatralização tantas vezes utilizadas em passado recente — na república comunista da Baviera, na ascenção do bolchevismo pelas brechas do movimento operário, na corrida dos camisas-parda de Mussolini, na Noite dos Cristais, no incêndio do Reichstag, nos deslocamentos populacionais da Rússia de Lênin e na desapropriação das propriedades rurais em nome de uma reforma agrária radical. Como hoje, os bolcheviques anunciavam reformas sem conhecer as suas consequências.
Não há porque nos espantarmos pelo que vemos agora, como não pudéssemos supor o que está ainda por acontecer.
Bolso e Lula trazem consigo o arroubo dos primeiros cruzados. Fiéis e infiéis lançam os seus anátemas entre si. Seguidos por um séquito de multidões cegas, como são as massas manipuladas pela revelação dos salvacionistas, fortalecem os antagonismos recíprocos e fazem de conta que se insurgem contra as potestades do mal…
O pior da vida republicana, no Brasil, está por vir. Não há lideranças nacionais firmes, há sindicalistas e militância partidária que têm a tomada do poder como meta e único objetivo. Até hoje, estes combatentes cruzados não sabem o quê fazer do poder do Estado.
A contraposição das forças que fazem cerco ao Poder constituído não traduz ideias, reflete utopias, quimeras, fantasias e com estes pedaços de verdade, os cavaleiros do apocalipse constroem as suas distopias.
O totalitarismo não é de direita ou de esquerda: é a arma que combate a liberdade — em nome … da liberdade.
Chegamos ao ponto de partida: Bolso e Lula são a dissimulação dos mesmos propósitos. Suas eventuais diferenças afirmam e dão conotação de verdade e de luta libertadora aos seus desejos de poder.