É cediço o adágio segundo o qual O hábito faz o monge. No julgamento pelo STF, dos três primeiros acusados dos crimes de atentado à democracia (golpe de Estado), invasão e depredação dos Três Poderes, no dia 08 de janeiro de 2023, pelo menos para os ministros André Mendonça e Nunes Marques, ficou demonstrado que A toga não faz o Juiz. Contrariamente, o torna vassalo do seu pretenso “senhor”, substituindo o ato de julgar, assente nos fundamentos constitucionais e no melhor Direito (fumus boni Iuris), pela submissão aos interesses subalternos.
No exercício de funções relevantes (Ministro do STF), que é uma das mais substantivas, constituintes do corpo fundamental da legislação, espera-se que seus ocupantes incorporem em seu currículo de vida – além de notório saber jurídico – conduta ilibada, estatura moral e ética, dentre outras. Na realidade vivenciada, entretanto, esses valores não apareceram em nenhum instante.
A julgar pelos votos proferidos pelos ministros referidos, restou comprovado que, em transposição ao direito de vestir toga, pelos integrantes da Suprema Corte, imperioso se faz que tenham perspectiva histórica dos seus atos, percepção dos valores consubstanciados na Constituição, e na democracia, além do real sentido axiológico da nossa Nação, que eles juraram defender, não sendo admissível, por nenhuma hipótese, vergarem-se ante aquele que os indicou, como mostrado naquela histórica sessão. A Suprema Corte de Justiça do Brasil não se permite ser covil de um duo de vassalos.
Com fulcro no melhor Direito, especialmente na ação de julgar e decidir em favor da tutela dos bens coletivos a que os magistrados em todas as instâncias do seu Poder são instados a fazer, diariamente, também na política, os governantes, nos três níveis do Executivo, incluso, aqui, o Distrito Federal, são chamados a tomar decisões complexas, com repercussão direta na vida de milhões de pessoas.
Em uma Nação de desenvolvimento tardio, como a brasileira, que ainda acumula défice primário também na seara do conhecimento, convivendo com alçados índices de pobreza e desigualdades, nenhuma decisão de ordem jurídica levada a efeito por aquele que esteja no exercício de julgar, como os Ministros do STF, é factível de prescindir de fundamentação nas Ciências Jurídicas e Políticas, na Psicologia e na Sociologia, para que os efeitos produzidos venham ao encontro das expectativas do Povo. Os votos dos julgadores sob comentário, por ignorância e/ou má fé, passaram longe das mencionadas bases.
Nas democracias modernas, sociedades em movimento, guiadas pelos valores e costumes do século XXI, respeitadas as competências específicas, inerentes a cada um dos tomadores de decisão no âmbito tripartite montesquieuano – Legislativo, Judiciário e Executivo – todos, sem exceção, devem operar com retidão, com vistas à paz social, por via de preservação e tutela dos melhores proveitos coletivos, conforme se configura a defesa democrática. Por expressas razões, a expectativa é de que o façam com âncora nas teorias da interpretação e da decisão, além de motivada e justificada sua fundamentação.
Na senda jurídica, Aristóteles preconizou a noção de que o juiz, para decidir adequadamente, necessita da combinação de capacidades intelectuais, bem assim de sólida formação moral para entender as consequências dos seus julgados. Observemos que ser “terrivelmente evangélico” não está, à certeza, entre os prerrequisitos do Pensador macedônio.
Examinando a desventurada herança do chefe de governo imediatamente passado, e a prática dos seus seguidores, comprova-se que as decisões de maior repercussão para o País se fundam, tão-somente, em seus desprezíveis valores, vontades e preferências pessoais, na sua ideologia e visão de mundo negacionista em relação a todas às Ciências. No âmbito das ideações dos que o seguem, reedita-se, agora, o empenho de situar as instituições do Estado, ao modo como procederam os dois membros com assento no STF, a serviço dos interesses dessa horda, como sobrou demonstrado em seus votos exarados naquela memorável sessão.
Ainda analisando, e na demanda de entender o comportamento dos dois bolsonaristas de toga, que deixou a sociedade estupefata, ante a pobreza argumentativa e por pretexto da falta de fundamentação jurídica de seus votos que minimamente justificasse o pedido de absolvição dos réus pelos crimes cometidos, o que se viu exarado foi uma decisão “intuicionista”, o que não se espera de ministros da Suprema Corte. Assim, também, acontece em relação à imprensa, bem como aos outros dois poderes da República, observando-se atitudes intensivamente influenciadas por suas subjetividades – e convicções não justificadas – desprovidas de quaisquer dos fundamentos teóricos das Ciências Sociais, e jurídicas, reais orientadoras de qualquer julgamento.
A explicação para o comportamento sob exame, explicitamente classificável como errático, levado a efeito pelos seus seguidores em processos decisórios, é esteada na literatura que cuida das várias teorias da Psicologia da Justificação da Decisão, bem como da Psicologia Cognitiva Social, quando dispõem vários estudos sobre “cognição dissonante”, “conforto cognitivo”, “heurísticas”, “vieses”, dentre outros. O exame desse lógico complexo bibliográfico conduz a se compreender os fatores dessas ações dissonantes.
Daniel Kahneman (Israel) Nobel de Ciências Econômicas em 2002 (compartilhado com Vemon L. Smith – EUA), pelo estudo que desenvolveu em Economia Comportamental, no livro Rápido e Devagar, cuidando das “heurísticas” e dos “vieses”, também explica os dois sistemas que conduzem e estruturam o pensamento, assinalando a ideia de que um é rápido, intuitivo e emocional, ao passo que o segundo é mais lento, deliberativo e lógico, mediante os quais as pessoas orientam e estabelecem julgamento, avaliação e decisão. Nesse sentido, é válido acentuar que o primeiro sistema é o que motiva e orienta as escolhas e definições das decisões dos seguidores herdeiros da nefasta herdade, como vimos prolatado nos votos dos bolsonaristas de toga superior.
Ainda firmado na reflexão de Kanheman, com amparo em suas pesquisas sobre decisão comportamental, comprova-se que, na limitação da racionalidade, pessoas com escassos recursos mentais rejeitam os processos complexos que envolvem uma decisão racional, a ser sempre precedida de minuciosa avaliação das repercussões resultantes daquele ato, especialmente quando o tomador dessa ou daquela decisão é o um juiz da mais alta Corte de Justiça de uma Nação.
Seguindo essa linha teórica, sabe-se que o raciocínio é suscetível ao que se conhece como “atalhos cognitivos”, e “desvios sistemáticos”, levando muita vez o tomador de decisão a agir premido pelo tempo e baseado em informações incompletas, deixando-se influenciar por palpites dos poucos íntimos que o cercam, mas que confirmam sua intuição e convicções já consolidadas, mesmo sabedor de que todos esses ignoram a necessária engenharia mental que articula os interesses e valores a envolverem o ato em decurso de deliberação. Nenhuma dessas hipóteses se aplica ao caso em tela, pois não faltou tempo para uma análise acurada dos processos, e ministros do STF, ainda que não possuam boa formação jurídica – esse parece ser o caso dois em referência – dispõem de uma assessoria composta pelos melhores juristas do País, e, portanto, a eles é defeso decidir com suporte em palpites.
Nada mais é preciso dizer!
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Marcio Aguiar
Perfeita sua análise, realmente uma vergonha um Juíz entender que foi mera danificação do patrimônio público, encorajando novas condutas a esse respeito, sem ter nada de pedagogico em sua sentença, uma vergonha para a Justiça Brasileira.