Recentemente, ouvi um podcast sobre o quanto a nostalgia tem voltado fortemente na sociedade e até na economia nos últimos anos. Em determinado momento, um dos participantes do programa questionava: “Por que será que, de uns tempos pra cá, paramos de sonhar com o futuro, de imaginar coisas futurísticas e ficarmos felizes e empolgados com elas? Por que começamos isso de cultuar o passado?”, ao que outro participante prontamente respondeu: “vai ver que foi porque chegamos no futuro e vimos que ele é uma bosta”.
Não posso deixar de concordar com a resposta do segundo participante! De fato, chegamos ao futuro em diversas áreas. Mas… Cadê os carros voadores? Cadê as sociedades utópicas, cidades verticais e prósperas, com todo mundo feliz, saneamento básico garantido, sem fome e com igualdade? Onde foram parar as viagens interplanetárias nas naves com motor de dobra, descobrindo civilizações exóticas no melhor dos enredos de Star Trek? Onde foi parar a paz plena, o fim das doenças e da corrupção política?
E quando a gente se joga um pouquinho nas nossas próprias memórias e repertórios pessoais de produtos culturais que consumíamos quando mais jovens, vemos que isso já era lindamente imaginado num passado não tão distante. Os anos 80 e 90 nos bombardearam de fortes produtos, símbolos e obras que apontavam para diversas utopias (e por quê não também distopias) envolvendo muito, mas muito neon, artefatos cromados e uma baita sensação de transição: era a “morte” do analógico e a chegada triunfante do digital.
Quantas vezes você não assistiu ao divertidíssimo clássico De Volta Para o Futuro? Ou à epopeia digital Tron – Uma Odisseia Eletrônica? Os inovadores Blade Runner, Exterminador do Futuro? Até mesmo minha saga intergaláctica favorita, Star Wars, trouxe elementos precursores em abrir nossos corações e imaginações para todo um futuro que, naquela época, seria justamente o nosso “agora”. A mítica envolvendo os anos 2000 sempre trazia à tona uma empolgação que trazia quase que imediatamente as ideias de robôs, carros voadores, cidades carregadas de luz, raios laser e diversas outras fascinantes ideias digitais que trariam todo um novo conceito de “evolução” da raça humana.
Os videogames eram a revolução do entretenimento e foram grandes responsáveis por catapultar essa estética. O “pai de todos”, Atari, e diversos outros consoles e jogos chegaram de vez pra influenciar o modo como nos relacionamos com as máquinas. Os arcades (ou fliperamas aqui no Brasil) eram a diversão obrigatória do final de semana, levando jovens sedentos por aventuras eletrônicas a gastar fichas e mais fichas nas máquinas que traziam histórias eletrizantes e interativas contadas em pixels e sons elétricos inesquecíveis – falo um pouco disso também no meu texto sobre a estética da arte dos videogames (clique aqui pra conferir, se ainda não viu!).
E como não podia deixar de ser, toda essa nova linguagem se refletiu também na música. Baterias eletrônicas, sintetizadores, vocais distorcidos, efeitos mirabolantes e hipnóticos criados pelos novos equipamentos digitais trouxeram todo um novo espectro para a música. Esse pacote infinito de possibilidades criou uma revolução musical quando, em 1982, pegou carona na então recém-inventada tecnologia MIDI – um acrônimo para Musical Instrument Digital Interface (ou “Interface Digital de Instrumento Musical”). Em resumo, MIDI é uma linguagem que permite a “comunicação” entre instrumentos musicais, computadores e outros aparelhos. Foi desenvolvida nos anos 80 justamente para padronizar o diálogo entre hardwares de música.
Assim, na prática, o que antes era só um teclado simulando um som de piano clássico, ganhou uma miríade quase infinita de timbres, modulações, percussões, “vozes” e muito mais ao apertar uma simples tecla. O desenvolvimento dos softwares para essa finalidade também ganhou força a partir daí, e então a criatividade não encontrou mais limites – para nossa sorte!
Pra facilitar a “visualização” desses sons e como se criou uma estética, imagine o seguinte: com certeza você tem ainda grudada na sua memória aquela baladinha ou música instrumental de algum filme dessas décadas. Muitos teclados, efeitos distorcidos e meio futurísticos, harmonias empolgantes, muita guitarra e um baixo quase “espacial”. De uns anos pra cá, essa estética carinhosamente conhecida como SynthPop ou RetroWave veio ganhando maior força. Junto com os vários remakes cinematográficos, a saudade dos anos 80/90 bateu na música trazendo toda uma nova safra de artistas que ganharam ainda mais força com a internet, redes sociais e plataformas de streaming.
Listando aqui algumas indicações de audição pra você conhecer, posso falar de alguns grupos/artistas que não saem da minha playlist semanal. A seguir, vou recomendar alguns pra você experimentar e cair nessa estrada nostálgica-futurista:
- LeBrock – álbum Real Thing (músicas de destaque: Please Don’t Cry, Real Thing e Runaway);
- September 87 – álbum-single Bad Dream Baby;
- FM-84 – álbum Atlas (músicas de destaque: Everything, Running In The Night e Arcade Summer);
- Magic Dance – álbuns Vanishings, New Eyes e o EP Kiss Scene (músicas de destaque: as belíssimas instrumentais Kiss Scene e Lost);
- KRISTINE – álbum Kristine (músicas de destaque: The Danger e Radio);
- Dana Jean Phoenix (fantástica!!!) – álbuns Le Mirage e Synth City;
- The Midnight – álbuns Nocturnal e Endless Summer.
Algo que torna essa experiência mais legal ainda é notar que essa galera se inspirou no movimento RetroWave como um todo também nas capas e artes de seus trabalhos: quem se liga mais em design vai identificar facilmente vários elementos, como fontes, cores e efeitos que trazem toda essa carga imagética de volta.
Dica: quando a pandemia passar, essas são músicas deliciosas pra se ouvir pegando a estrada. Vai por mim. ;)
Boa audição e uma ótima viagem de volta para o futuro!
Te vejo no próximo play!
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