Acompanhado das três mulheres lá de casa, assisti no shopping “A Substancia”, dirigido pela francesa Coralie Fargeat e estrelada por Demi Moore, no auge de sua beleza, aos 64 anos, certamente um filme à sua altura e medida, porque trata de beleza e etarismo, ou seja, a relação que busca a jovialidade, justamente quando ela começa a desaparecer e a apresentar o seu lado mais sombrio, ao alterar a aparência, apagando os encantamentos de uma angel, consoante o senso comum.
É uma película surreal, e arrebatou o prêmio de Melhor Roteiro em Cannes e deve ser indicado ao Oscar em diversas modalidades.
Logo de início, percebi através do corpo nu, com imagens fechadas em primeiro plano, que a personagem não tem nada que agrida a su natureza, pelo contrário, sua estética é perfeita e exuberante em nível de saúde. Acontece que não é assim que a famosa Elisabeth Sparkle — protagonista de exitosas peças publicitárias, espalhadas por uma das ruas de uma importante cidade americana, modelo e dançarina de uma conhecida rede de fitness, pensa e se convence de sua atualidade natural. Nem seus ambiciosos empresários, chefiados pela representação talentosa do ator Denis Quaid, também em planos de imagens fechadas, com aparências ignóbeis e até repugnantes, quando a idade jovial é a cereja do bolo de seus negócios lucrativos, propondo como sentença de morte (de forma literal) a aposentadoria da atriz.
Ela não vai desistir de continuar na carreira e na manutenção de sua marca carimbada pela beleza, ainda que recorra a formas e métodos estranhos, inusuais.
Realmente, é um filme difícil de assistir. Nem sei se se caracteriza como gênero de ficção científica, tamanhas as deformações que seu corpo experimenta, ou se é um thriller de terror, fortalecido por uma sequência de tomadas que mistura a insensatez com a pura bizarrice de forma exagerada.
A certa altura, até pensei em ir ao banheiro pelo mal-estar produzido com a contundência da maioria das cenas, o que classifico como uma película particular, dessas que não se repete a sessão. Também a mensagem é direta e “sinsericida”, tudo mais articulado por conta da habilidade artística dos técnicos de som, figurinistas e maquiadores.
Tive a impressão de ver sátira, pastelão e farsa, quando o filme escancara o que uma mulher é capaz de fazer com a obsessão da “eterna juventude”, caindo no ridículo, depois assumindo o pavor da velhice, simbolicamente espancada à exaustão, seguindo um ideal determinado pela sociedade do consumo e seus ascetas, que teimam em tirar proveito econômico, mantendo infantilizado essa postura estética da “boa forma”. Como lance midiático que faz crer que a beleza é o melhor e o único estilo de vida.
O roteiro é original e perfeito como denúncia social. Seria impossível sua realização sem a leitura anterior do clássico de Oscar Wild, O Retrato de Dorian Gray – naquela premissa do etarismo e amoralidade. Importam beleza e sensualismo, mesmo que a alma seja vendida, sucumbindo no envelhecimento fantasmagórico como castigo cruel e inafastável.
Numa leitura mais distanciada, lembra um romance de Ignácio de Loyola Brandão (Bebeu a Garota que a Cidade Comeu). Foi transformado em um filme, um drama de Maurice Capovilla, Bebel a Garota Propaganda – retratando uma jovem linda e pobre que faz uma campanha publicitaria, mas é logo substituída, então vitima de uma cultura machista e misógina de um Brasil urbano, baseado numa modernidade covardemente associada à necropolítica.
Após as últimas cenas aterrorizantes, dignas de um Quentin Tarantino, ou Stanley Kubrick (lembrando um rio de sangue jorrando pela porta do elevador do Hotel Overlook em O Iluminado) posso dizer que o filme tem uma substância impactante, simbólica e ao mesmo tempo real, produzindo um festival ininterrupto de imagens e cenas grotescas de maneira surpreendente. Fecha-se como uma “fábula maligna”, um escárnio a uma indústria midiática, ao explorar cruelmente uma personagem, enquanto esta devolve à sociedade tudo que ela fez contra a si mesma, ao procurar manter, “por cima de pau e pedra”, a perfeita beleza física.