MUITOS ESTUDOS SOBRE O CARNAVAL apontam para o riso presente na visão carnavalesca do mundo como mola propulsora a destruir a seriedade unilateral e as pretensões de significação incondicional e intemporal dos sistemas religiosos e civis de poder, liberando o pensamento, o sentimento e a imaginação humana para dar asas a novas possibilidades, realizando inversões constantes, como muito bem anotaram Platão, na necessária inversão presente em seu Mito da Caverna, Copérnico com sua teoria heliocêntrica e Rousseau com sua revolucionária visão sobre a soberania popular.
Nessas inversões caminham a literatura e o teatro de Hermilo Borba Filho (1917-1976), tendo como diluvial fonte de sua pesquisa o efervescente carnaval pernambucano, entre outros. Nas fantasias do autor podem-se encontrar hipérboles do corpo e de seus membros, desnudando as contradições simultâneas da vida em sociedade, cuja hierarquização tem como motivo a imposição unilateral da verdade de alguns sobre todos os outros. O carnaval apresentado por Hermilo destrona os regentes e as hierarquias do mundo comum, entronizando o rei bufão (Rei Momo), como forma de apontar para a inversão carnavalesca com a qual se pretende abrir espaço para novas compreensões da vida, dando vez a possibilidades indizíveis a partir do olhar dos paradoxos presentes nas formas grotescas.
Diferentemente do carnaval bem comportado da Rede Globo, enquadrado numa transmissão exclusiva, numa arquibancada, num horário, num jornalismo monopolista e numa única passarela, o carnaval estudado e interpretado nas obras de Hermilo é anticapitalista, destruindo tudo o que for culto ao individualismo e à hierarquização da vida. Uma flecha certeira contra o imperialismo estadunidense da segunda metade do século XX. Um mundo às avessas, de liberdade e diversidade, contra todo e qualquer autoritarismo, político, religioso e econômico. Um corpo cósmico, numa busca incessante de diálogos abertos entre humanos das mais diversas condições de existência, encontra-se para cantar, dançar, pular, festejar. Corpos reunidos nas praças públicas não estão fechados ao outro num individualismo egocêntrico, característico do cotidiano burguês, mas conectam-se das mais variadas formas possíveis e imagináveis produzindo um grande e diversificado movimento popular.
Em nosso programa do dia 20 de julho, segunda-feira passada, no canal QUATRO MINUTOS, (https://www.youtube.com/watch?v=v8aH3_L90vw&t=30s) tivemos a oportunidade de refletir sobre o fortalecimento do sistema hierarquizado colocado em andamento no Brasil a partir da eleição de 2018, resultado do golpe perpetrado em 2016. Com a posse do novo ministro da Educação, cuja centralidade do pensamento pedagógico é a utilização da Vara por pais e mães como instrumento para provocar dor em seus filhos e filhas com objetivos disciplinadores de condutas, o golpe avança em seu autoritarismo. Também naquele programa alertávamos para a tentativa do governo do assim chamado presidente Bolsonaro inviabilizar a proposta de renovação do Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.
Entretanto, na quarta-feira, 22, o texto foi aprovado pela Câmara Federal, numa vitória acachapante de 499 votos a favor e 07 contra, esmagando as indecorosas propostas apresentadas de última hora pelo ministro Paulo Guedes, entre as quais figurava interrupção desse programa durante todo o ano de 2021. Essa estrondosa votação, transformando o Fundeb em política pública permanente, consagra de forma inquestionável a atuação decisiva do Governo Lula na valorização da educação básica, tendo em Fernando Haddad o ministro da Educação que elaborou e viabilizou o vitorioso programa em 2006. Uma inversão estrutural na forma como o topo da hierarquia econômica brasileira tratava a educação popular até então.
Como já tivemos a oportunidade de registrar, em 17 de março de 2019, num jantar nos EUA com representantes da extrema-direita (https://www.youtube.com/watch?v=Q0GtNa-VHqM&feature=youtu.be), o assim chamado presidente Bolsonaro admitiu haver chegado ao poder para levar adiante um projeto de demolição e desconstrução nacional. Disse: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos de descontruir muita coisa, desfazer muita coisa”. Ao considerar as propostas apresentas pelo governo federal, aos 45 minutos do segundo tempo, sem o MEC haver participado das discussões por todo Brasil com os operadores da educação, governadores e parlamentares, durante os quase dois anos passados, conclui-se muito claramente que uma das coisas que o governo federal almejava destruir era o Fundeb. E muito possivelmente, pelo andar da carruagem inepta desse governo, talvez o seu próximo ato seja o de tentar acabar com o Carnaval, como vem fazendo com seus continuados ataques contra a Imprensa, a Ciência, a Cultura e a Política. Afinal, destruir é a sua razão de ser, como afirmou o assim chamado presidente.