“Cedant arma togae”, Cícero
Só para refrescar a memoria dos esquecidos.
A esquerda brasileira é espertamente seletiva no que lembra, no que quer esquecer e no que pretende ignorar. A turma do “Centrão” não dá por menos e ainda se intitula de democratas,sabe-se lá o que possam entender por esse substantivo anfíbio.
Houve tempo quando se enxergavam como “liberais”, quando a militância da esquerda se tinha por “comunista”.
As voltas que a semântica deu, nesse entretempo ideológico, obrigou-os, entretanto, a abandonar a matrícula de origem e assumir uma nova imagem, mais moderna.
Têm-se, agora, por “progressistas” ou “socialistas”, evitam as citações bombásticas de Marx e os anacronismos teóricos de Lenin, e se recolhem à sombra da Escola de Frankfurt e do Foro de São Paulo. Até falam inglês, já que a França perdeu a primazia do monopólio revolucionário no Ocidente. Há quem faça, atualmente, coisa melhor dos que os “allons-enfants”, nos confins da Ásia, e exporte o produto dessa usinagem para a América Latina.
Pois bem, nos idos de 64, a censura, a denúncia e uma forma de persuasão a que alguns radicais e revolucionários da caserna negam-se a chamar de tortura causaram imensos incômodos e danos aos “subversivos”.
[Os consertos no texto do parágrafo anterior impuseram-se para tornar claras e inteligíveis algumas ironias que, por falta de hábito, escaparam à compreensão de um leitor mal-educado e carecido de modos e de inteligência].
Desses eventos, todos guardam lembrança viva. Mas esqueceram_se dos processos de limpeza ideológica empregados em Cuba e na União Soviética de Stálin, conveniente omitidos.
Fui chefe de departamento, diretor de Faculdade e reitor, “malgré moi”, nesses anos “gris”. Valiamo-nos, pelos anos 80, da ”exaustão”, revolucionária, já perceptível, então, no olhar desconsolado das forças de terra-mar-e-ar e da política, para criarmos espaços, mínimos que fossem, de liberdade para as nossas pajelancas político-doutrinárias.
A redemocratização chegada finalmente em 1985, não brotou de um movimento de massa, com derramamento de sangue ou da persistência de uma resistência pertinaz, armas à mão. A retomada das “franquias democráticas” não teve de esperar pela Constituição de 1988. Foi consequência de um enorme cansaço “revolucionário”. Esta designação antecedeu o selo de “Estado democrático de direito” para modelar a imagem de uma poderosa semântica jurídica.
Ocorreu, como registra a história recente das nossas dores democráticas, uma transição progressiva, negociada pelos políticos, segundo a tese construída pelo general Geisel de uma “abertura, lenta, gradual e segura”, movimento tático que outro pensador político da Escola de São Bernardo, o frankfurteano Lula da Silva, designaria como “democracia relativa”.
Disso todos se lembram. Mas não encontram semelhanças entre aqueles tempos de hesitações compartilhadas com as engrenagens que se vão montando, agora, dotadas de uma poderosa artilharia jurídica e hermenêutica que abalariam a segurança dos teóricos constitucionalistas de Weimar…